Aos primeiros sinais de despreparo do presidente Jair Bolsonaro para governar um país complexo como o Brasil, popularizou-se a metáfora de que só um louco torceria contra o piloto do avião em que está atravessando o oceano. Os brasileiros sentiam-se na obrigação de torcer para que Bolsonaro acertasse na economia, para recuperar o PIB e os empregos perdidos nos anos de crise.
No momento em que o país atravessa uma tempestade sem precedentes, com o terremoto provocado pelo coronavírus, os passageiros percebem que o piloto está sem rumo e, em alguns momentos, em surto. A tripulação atônita não sabe o que fazer, porque o comandante tem a última palavra e sugere que os passageiros circulem pelos corredores, mesmo correndo o risco de se ferir com os objetos que caem dos bagageiros em razão da turbulência.
A metáfora talvez não seja a mais apropriada, já que estamos em terra firme, paralisados pelo mesmo vírus que põe de joelhos as nações desenvolvidas e mata primeiro os mais velhos e os que têm baixa imunidade. Mas Bolsonaro é o comandante da nave Brasil e revela sinais de desequilíbrio emocional. Seu discurso da noite de terça-feira (24), em que voltou a subestimar o coronavírus e a chamar a covid -19 de “gripezinha” e "resfriadinho” e a sugerir que a vida volte ao normal e as escolas sejam reabertas, é alvo de críticas em todos os continentes.
Ao vivo, o apresentador de uma emissora de TV argentina que mostrava o quadro de casos e mortes no mundo chamou o presidente brasileiro de “imbécil”. A Europa, que conta mortos às centenas, todos os dias, assiste estarrecida à incapacidade do presidente brasileiro de aprender com os erros da Itália, da Espanha e da França que subestimaram o poder devastador do vírus.
Os governadores ensaiam uma rebelião. Aliado de primeira hora e um dos poucos remanescentes na frente de apoio a Bolsonaro, o goiano Ronaldo Caiado rompeu com o presidente, indignado com o que considerou um discurso irresponsável. Médico e padrinho da indicação de Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde, Caiado avisou que em Goiás manda ele, orientado pela ciência, e que não vai obedecer as determinações presidenciais.
Com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio, Wilson Witzel, as relações já não eram boas. Doria e Witzel nunca esconderam suas pretensões eleitorais e entraram na mira do presidente. Como estão entre os primeiros a adotar medidas restritivas de circulação, foram os primeiros alvos dos ataques presidenciais.
Com maior ou menor ênfase, todos os governadores repudiaram a manifestação de pouco mais de quatro minutos em que Bolsonaro preferiu criticar quem está tomando medidas a anunciar providências concretas para ajudar Estados e municípios. Pelo menos 24 dos 27 já emitiram sinais de que não afrouxarão as medidas de isolamento social. Todos têm presente o exemplo da Itália, que no final de fevereiro optou por não adotar medidas restritivas imaginando proteger a economia. Um mês depois, não dá conta de enterrar os mortos, o isolamento é absoluto e a economia despencou.
Na manhã desta quarta-feira (25), na teleconferência com os governadores do Sudeste, Bolsonaro perdeu o controle depois de ser confrontado por Doria. O vídeo com a manifestação do governador e a reação ensandecida do presidente, acusando-o de só pensar na eleição, é revelador de que algo vai mal na mente do presidente.
O tom do pronunciamento de terça, sabe-se agora, não foi definido com o ministro da Saúde e não teve aval da ala militar do governo. Foi escolhido no que se convencionou chamar de “gabinete do ódio”, o grupo que age pautado pelos robôs do submundo das redes sociais.
O Planalto chegou a anunciar uma entrevista do presidente perto do meio dia, mas a manifestação foi cancelada. Ainda não está claro se Bolsonaro foi nocauteado por Doria e Caiado ou se foi contido pelos membros do governo que, no meio da crise, ainda mantêm a cabeça no lugar.