Completei hoje a primeira semana de teletrabalho. Não direi que estou plenamente adaptada, que sinto como se tivesse trabalhado a vida inteira neste cantinho da sala, porque seria falsidade. Sinto falta da interação por gestos com o Daniel Scola quando estamos no estúdio, do entusiasmo do Bruno Pancot quando consegue uma entrevista difícil, dos colegas com quem troco impressões sobre os assuntos do dia antes de começar o Gaúcha Atualidade.
Sinto falta do burburinho da redação, das tiradas inteligentes dos colegas, da troca de ideias, da conversa olho no olho. É solitário o trabalho em casa e sem graça a conversa por WhatsApp. Mas estou produzindo bastante, apesar de me desdobrar para dar conta da minha parte nos serviços domésticos.
Tenho tentado manter a rotina de não trabalhar das 10h às 14h. Para não sair à rua (ainda que não esteja proibida), resolvi caminhar no pátio do edifício semi-deserto. Pelas vagas nas garagens, parte dos vizinhos foi se refugiar nas montanhas. A imagem do dia é a do parquinho vazio. Sem as crianças, o gira-gira, a gangorra e os balanços não têm alma.
Nosso bairro virou uma cidadezinha do interior. A rua, sempre movimentada, está deserta. No aplicativo FlightRadar24 confiro o movimento dos aviões. Às 8h, apenas um Ezeiza-Guarulhos sobrevoava o território do Rio Grande do Sul. A 39 mil pés de altura. Nenhum voo saindo, nenhum voo chegando no Salgado Filho. Em quarentena, o Rio Grande do Sul se mobiliza para que não faltem leitos de UTI se os casos de covid-19 explodirem.
As autoridades locais levam muito a sério a pandemia e seguem as orientações da Organização Mundial da Saúde para tentar frear. Porto Alegre registra a primeira morte, uma senhora de 91 anos. Há outras oito pessoas na UTI com diagnóstico de coronavírus e outras 26, também em UTI, com suspeita, aguardando resultado do exame. O Centro de Exposições da Fiergs vai virar um hospital de campanha. Outras cidades se apressam em improvisar instalações para receber pacientes. Como disse o comandante militar do Sul, general Geraldo Miotto, estamos em guerra. O inimigo e invisível, se camufla no corpo de pessoas assintomáticas, pronto para atacar os organismos mais frágeis.
Às 20h30min, a orquestra de panelas voltou a tocar. O presidente Jair Bolsonaro foi para a TV sugerir que o isolamento seja restrito às pessoas do grupo de risco ou que apresentem sintomas da covid-19. E que os demais voltem ao trabalho e às escolas, em um movimento contrário ao que fizeram nesta quarta-feira o Reino Unido e a Índia.
Na Itália, o número de mortos voltou para a casa dos 700. Na Espanha, mais de 500. A peste se espalha pelos Estados Unidos. Já são mais de 50 mi casos e 670 mortes. Na última estatística, o Brasil tinha 2.201 casos confirmados (mas só está testando uma ínfima parte da população) e 46 mortes.