No dia em que a Olimpíada do Japão foi adiada, que o Reino Unido entrou em lockdown por 21 dias e que a Índia, com 1,3 bilhão de habitantes entrou em quarentena total, o presidente Jair Bolsonaro ocupou quatro minutos de uma cadeia de rádio e TV para dizer que os governadores estão errados e sugerir que se afrouxe a vigilância para não prejudicar a economia. Criticou a imprensa, a quem acusou de "espalhar o pânico" em relação ao coronavírus e sugeriu que somente os idosos e pessoas com problemas respiratórios sejam mantidos em quarentena.
Foi como definiu a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), uma das ex-aliadas mais aguerridas de Bolsonaro, “irresponsável, inconsequente e insensível”. Como avestruz, enterrou a cabeça no chão e fechou os olhos para o que ocorre no mundo, ignorando que na Itália e na Espanha os caixões se acumulam por falta de condições para cremar os mortos.
Em praticamente todos os bairros de Porto Alegre, soaram panelaços de protesto durante e depois do pronunciamento presidencial.
Bolsonaro não disse nada de novo para quem conhece o seu discurso negacionista da gravidade do coronavírus. Repetiu que o Brasil começou a se preparar para enfrentar a pandemia desde que organizou a operação para repatriar os brasileiros que estavam retidos em Wuhan, na China. Disse que o Brasil tomou todas as medidas adequadas, mas que não é razoável manter as escolas e o comércio fechados, porque as consequências da crise econômica serão mais devastadoras do que o vírus.
Contrariando os principais líderes mundiais e a orientação das autoridades sanitárias, embarcou no discurso do deputado Osmar Terra, de que a covid-19 é uma pandemia como outra qualquer, e de empresários como Luciano Hang, da Havan, e Júnior Durski, do Madero, para quem a provável morte de 5 ou 6 mil pessoas (idosas) não justifica o esquema de contenção. Insistiu que o grupo de risco é formado por pessoas com mais de 65 anos, com algum problema de saúde. Como se a morte de idosos fosse um mero efeito colateral do afrouxamento da vigilância para não prejudicar a economia.
O fato de morrerem mais de 600 pessoas por dia na Itália e cerca de 500 na Espanha, boa parte por falta de respiradores, seria, pura e simplesmente, decorrência do perfil demográfico dos países europeus, com grande parte da população acima dos 65 anos. Como fizera em outras manifestações, minimizou os efeitos do coronavírus, ignorando o avanço da doença em todos os continentes e o número crescente de mortes:
— No meu caso particular, com histórico de atleta, se pegasse o coronavírus não precisaria me preocupar, nada sentiria. No máximo, um resfriadinho, uma gripezinha, como diz aquele médico de uma conhecida rede de televisão.
Sem citar nomes, Bolsonaro se referia a um vídeo de janeiro, em que o médico Dráuzio Varella dizia que o coronavírus era quase inofensivo, que não representava risco e que ele mesmo, com mais de 70 anos, sairia às ruas sem preocupação. Esse vídeo foi divulgado nas redes sociais por bolsonaristas, durante o fim de semana. Dráuzio teve de vir a público (no Fantástico) para esclarecer que a situação mudou e que o vídeo ficou ultrapassado.
O discurso do presidente incomodou líderes políticos e alarmou governadores que estão tomando medidas extremas para impedir o colapso no sistema de saúde. Na falta de vacina e de medicamento eficaz para combater o coronavírus, governadores e prefeitos tentam conter o alastramento do vírus, enquanto preparam a rede hospitalar para o inevitável aumento da demanda. O Ministério da Saúde disse que não vai se posicionar sobre o discurso do presidente.
Em São Paulo, dois estádios de futebol estão sendo transformados em hospitais de campanha. No Rio Grande do Sul, o Centro de Exposições da Fiergs será preparado para receber pacientes da covid-19. De Brasília, Bolsonaro partiu para o tudo ou nada. Ou afunda de vez ou surfa na onda formada pelas ações de governadores e prefeitos. Se o isolamento produzir os resultados esperados, o presidente dirá que ele estava certo e que o cornavírus não passava de uma gripezinha.
Tudo o que você quer saber sobre coronavírus: clique aqui para ver as dúvidas de leitores que já foram respondidas
Quer saber mais sobre o coronavírus? Clique aqui e acompanhe todas as notícias, esclareça dúvidas e confira como se proteger da doença.