Os brasileiros que trabalham com carteira assinada acordaram nesta segunda-feira (23) com a notícia de que poderiam ficar quatro meses com os contratos suspensos, sem salário, ganhando apenas uma espécie de bolsa para fazer curso de atualização, pela internet. A ideia era preservar empregos, mas a um custo social altíssimo. Por volta das 14h, veio a notícia tranquilizadora, ainda que não afaste o fantasma do desemprego: o presidente Jair Bolsonaro revogou esse trecho da medida provisória.
Se, por um lado, o recuo mostra que há bateção de cabeça no governo, por outro indica que alguma sensibilidade ainda resta na equipe econômica. Não bastassem os trabalhadores autônomos que ficarão sem receita pelo tempo em que durar a quarentena, a medida provisória abria a porteira para empresas jogarem seus empregados na miséria em um momento absolutamente crítico.
Do jeito que foi redigida, a MP era um saco de maldades para o trabalhador, a pretexto de ajudar as empresas. Além de facilitar as demissões sem justa causa, com redução dos custos da rescisão, permitia deixar os empregados no limbo por quatro meses. Os demitidos ainda teriam o Fundo de Garantia e o seguro desemprego, mas aos que tivessem o contrato suspenso seria preciso negociar com o empregador.
No final da tarde, o ministro da Economia, Paulo Guedes, resumiu a confusão a um “erro de redação”. Disse que o texto foi publicado às pressas:
— Isso (suspensão de salário) jamais foi considerado. Houve um erro na redação da MP. O que se queria era evitar as demissões em massa, dando alguma flexibilidade de salário, mas com o governo complementando, como está sendo feita em várias economias.
Pode ter sido um erro causado pelo estresse em que estão todos os integrantes do governo, mas há uma coincidência que não pode ser desprezada: a péssima repercussão coincidiu com a divulgação de uma pesquisa do instituto Datafolha mostrando que a população não está satisfeita com a atuação de Bolsonaro na crise do coronavírus.
Enquanto o presidente segue tratando como uma “gripezinha” e acusando a mídia de alarmismo, a maioria absoluta dos brasileiros apoia as medidas restritivas adotadas por governadores. Bolsonaro perde terreno para seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que coordena a força-tarefa do governo federal.
O presidente segue na contramão dos principais líderes mundiais, navegando na fantasia de alguns empresários, como Luciano Hang, dono da Havan, de que há exagero nas medidas restritivas.
O filho Eduardo, aquele que arranjou um incidente diplomático com a China e foi chamado de “bananinha” pelo vice-presidente Hamilton Mourão, divulgou nas redes sociais um vídeo do apresentador Roberto Justus, na mesma linha do discurso de Hang. E escreveu: “R.Justus (Roberto Justus) alerta que efeitos de se fechar e paralisar todo o Brasil/mundo serão muito piores do que o coronavírus. Por isso, JB (Jair Bolsonaro) alertou para a histeria, o pânico generalizado. Os supermercados lotados já dão os 1ºs sinais disso”.
É fato que a crise econômica será devastadora, mas ignorar o risco de colapso no sistema de saúde e argumentar que coronavírus só mata velhos (como se as pessoas com mais de 60 anos não tivessem importância) é de uma desumanidade que não tem tamanho.