Vinte e três anos depois de sua morte, Henrique Fonseca de Araújo poderá ganhar da Assembleia Legislativa o título de “deputado emérito”, por sugestão de Eric Lins (DEM). A proposta será analisada nesta terça-feira (4) pela mesa diretora da Casa.
Por que só agora esse reconhecimento, se a condição para ganhar o título de deputado emérito é ter sido uma referência no exercício do mandato? Porque, agora, o filho Ernesto Araújo é ministro das Relações Exteriores.
Três vezes deputado estadual, Araújo pai foi procurador-geral da República de 1974 a 1979 e, nessa condição, em 1978 deu pareceres negativos à extradição do nazista Gustav Franz Wagner, responsabilizado por 250 mil mortes entre 1942 e 1943.
As atrocidades atribuídas a Wagner garantiram-lhe o apelido de "besta humana". Ele era o subcomandante do campo de concentração de Sobibor, na Polônia ocupada pelos nazistas. Nesse campo, a história registra a prática de canibalismo. Soldados fieis a Adolf Hitler ofereciam restos dos mortos aos prisioneiros.
Após a Segunda Guerra (1939-1945), Wagner fugiu para não ser capturado. Em 1978, foi localizado no Brasil por Simon Wiesenthal, célebre caçador de nazistas, com a ajuda do jornalista Mario Chimanovitch. Wagner estava com 67 anos. De acordo com reportagem divulgada pela Folha de São Paulo em fevereiro deste ano, diversos países pediram ao Brasil a extradição do nazista. Henrique Araújo analisou quatro pedidos: o da Polônia, onde estava o campo de Sobibor; o da Áustria, país natal de Wagner; o da Alemanha, berço do nazismo; e o de Israel, Estado do povo judeu, as principais vítimas do Holocausto.
Eric Lins propôs a homenagem apesar desse passado polêmico por entender que o pai do atual chanceler agiu corretamente nos três casos em que deu parecer contrário à extradição. No pedido de Israel, a alegação foi de que o país não tinha competência para pedir a extradição de Wagner porque não era um Estado na época dos crimes (Israel foi criado em 1948).
No caso dos pedidos da Áustria e da Polônia, Araújo indeferiu o pedido de extradição com o argumento de que, pela lei brasileira, os crimes de Wagner estavam prescritos. O pedido de Alemanha foi respondido com a exigência de mais documentos. Os alemães encaminharam os documentos solicitados, mas o julgamento demorou e Araújo foi substituído no cargo.
Seu sucessor deferiu o pedido, com a ressalva de que Wagner não poderia, na Alemanha, ser condenado à prisão perpétua ou à pena de morte. Deveria ser condenado a no máximo 30 anos de prisão. Em 1979, o Supremo indeferiu a extradição, por entender que os crimes do nazista já haviam sido prescritos.
Wagner morreu em 3 de outubro de 1980, em São Paulo. Confrontado com a acusação de que seu pai protegera a "besta de Sobibor", o chanceler defendeu o ex-deputado em seu blog, o Metapolítica. Em um longo texto intitulado Pro Patre, escreveu:
"... Em 1975 foi nomeado Procurador-Geral da República e ao longo dos quatro anos seguintes promoveu a independência do Ministério Público, ao mesmo tempo em que defendia a União nos Tribunais Superiores, pois à época ainda não existia a Advocacia Geral da União, cujas funções eram exercidas pelo PGR. Propugnou sempre pela legalidade e respeito às normas vigentes - o que contribuiu muito para que o Brasil tivesse um ordenamento jurídico estável nesse período, de forma tão diversa de regimes autoritários aos quais erroneamente se compara o regime de 1964. Nesse quadro foi que emitiu o parecer de que trata a matéria da Folha que, conforme se depreende da própria matéria, não visou a defender um foragido nazista, e sim o estado de direito, pois o que apontava eram as insuficiências processuais no pedido de extradição, sem qualquer contestação dos crimes cometidos pelo acusado".