Por Idete Zimerman Bizzi, médica psiquiatra e psicanalista
O Holocausto é uma das passagens mais tenebrosas e desconcertantes da nossa civilização. Difícil de lembrar, entender ou aceitar. Alguns fatos são inquestionáveis: pereceram 6 milhões de judeus e outros tantos milhões de comunistas, ciganos, negros e "inimigos do sistema"; atos desumanos foram sistematicamente perpetrados contra as vítimas; os corpos dos mortos eram violados e utilizados na produção de bens de consumo.
Num final de janeiro, há 74 anos, as tropas soviéticas chegaram a Auschwitz, o campo de concentração na Polônia, e deparam-se com uma visão do inferno. Milhares de mortos-vivos, assombrados, confusos. Alguns sobreviventes, quando se imagina que não teriam mais o que sofrer, relataram o inesperado sentimento de vergonha e tristeza ao perceber o olhar de repulsa dos oficiais russos, que tapavam o nariz com lenços, e tentavam controlar a náusea e vômitos. Viram-se refletidos nos olhos dos soldados, e começaram a tomar consciência da realidade tenebrosa. Não foi um final feliz, mas um penoso reinício.
Já foi dito que a maior causa da Segunda Guerra foi a Primeira Guerra. A Alemanha, humilhada, ávida por um salvador, deixou-se levar por Hitler. Os horrores de guerra não eram claros à época, e foram conhecidos com o passar do tempo. Isso dito, restam outros fatos menos compreensíveis e justificáveis, porquanto ocorridos em tempos de paz e abertamente. Na Alemanha, a partir de 1933, os judeus foram excluídos de funções públicas, universidades, seus livros proibidos e queimados, suas propriedades saqueadas e depredadas. Repito que me refiro a tempos de paz. Até 1938, os judeus que se sentissem ameaçados poderiam emigrar, desde que pagassem ao Estado uma multa, no equivalente a 90% de seus bens. Tudo legalizado.
Os réus nazistas, julgados em 1946, repetiam, em sua defesa, que, na década de 30, havia consenso de que os judeus tinham influência demasiada na vida européia. Retrocedendo na história, vê-se claramente o ovo da serpente. Avanço o filme da civilização até 2018 e encontro uma pesquisa da CNN, feita com 7000 cidadãos europeus: mais de um quarto acredita que os judeus têm influência excessiva nas finanças na Europa, e um quinto dos entrevistados afirma que o anti-Semitismo é uma resposta às atitudes quotidianas dos judeus. Há que lembrar, sim, e falar sobre a tragédia. Como disse Elie Wiesel, "o oposto do amor não é o ódio; o oposto da vida não é a morte, é a indiferença".