No passado se dizia que de urna, barriga de mulher grávida e cabeça de juiz nunca se sabia com antecedência o que poderia sair. A evolução dos exames permite saber o sexo do bebê logo no início da gravidez, as pesquisas antecipam o resultado das urnas com boa margem de acerto, mas cabeça de juiz continua a produzir surpresas, como se viu na sessão que deveria julgar o habeas corpus do ex-presidente Lula. Os ministros do Supremo criaram uma figura nova no Direito brasileiro: o habeas corpus pré-datado. Adiaram o julgamento do pedido da defesa de Lula, mas deram um salvo-conduto ao presidente até o dia 4 de abril.
Seja qual for o resultado do julgamento dos embargos de declaração na sessão do TRF4, marcada para a próxima segunda-feira, Lula passará a Semana Santa em liberdade. O juiz Sergio Moro não pode decretar sua prisão mesmo que se confirme a previsão de o TRF4 rejeitar o último recurso da defesa de Lula na 2ª instância.
Se no julgamento do dia 4 de abril conseguir o habeas corpus para não ser preso até que se esgotem todos os recursos a que têm direito os condenados com acesso aos melhores advogados, Lula poderá não só passar os próximos feriados em liberdade, como assistir aos jogos da Copa da Rússia e fazer campanha eleitoral para os candidatos do PT. Só não poderá ser candidato – a não ser que Tribunal Superior Eleitoral reinterprete a Lei da Ficha Limpa. No texto original, condenados por colegiado não podem ser candidatos.
As manifestações dos ministros nas duas votações – primeiro para dizer se cabia ao Supremo julgar o habeas corpus preventivo e depois se dariam ou não a liminar para impedir a prisão – forneceram um indicativo de que Lula tem boas chances de escapar da prisão enquanto recorre da condenação imposta por Moro e agravada pelo TRF4.
Lula é apenas uma peça no jogo de interesses que cerca esse caso. O habeas corpus antecede o julgamento que interessa a todos os figurões que perderão o foro privilegiado no início de 2019 e outros tantos que já estão em vias de ir para a cadeia. O que valer para Lula valerá para outros réus da Lava-Jato. É por isso que até ferrenhos adversários do ex-presidente agora descobriram que aquela decisão aplaudida em 2016, de autorizar a prisão em 2ª instância, afronta a presunção da inocência garantida na Constituição.
Essa discussão só existe porque a Justiça chegou ao andar de cima. Em artigo no jornal O Globo, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg fez as contas e concluiu que nos últimos 77 anos, em 70 o direito penal brasileiro determinava que o condenado seria preso após a primeira ou segunda instância. De 1941 a 1973, a regra era a prisão após a condenação em 1ª instância. De 1973 a 2009, vigorou a prisão em 2ª instância. De 2009 a 2016, o condenado só poderia ser preso depois de a sentença transitar em julgado. De 2016 até hoje, voltou-se à norma da execução da pena após a 2ª instância, que pode cair nos próximos dias porque o o braço da lei ultrapassou a fronteira PPP, em que só preto, pobre e prostituta iam para a cadeia.