Não é de hoje as informações sobre a atuação de terroristas islâmicos no Brasil. A prisão de dois homens com ligações com o Hezbollah, na quarta-feira (9), suspeitos de terem sido recrutados para realizar atentados contra prédios judaicos no país, é apenas mais um capítulo de uma longa história que conecta o Cone Sul da América Latina a movimentos extremistas do Oriente Médio.
No início dos anos 2000, o repórter Carlos Wagner, de ZH, produziu uma série de reportagens sobre como, a chamada Tríplice Fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina, na região de Foz do Iguaçu, combina elementos que a tornam incubadoras perfeitas para o terrorismo: corrupção, pirataria, prostituição, tráfico de drogas e de armas. Tudo isso em uma fronteira porosa que, ali, reúne todos os crimes.
Wagner cunhou o termo "País Bandido", nome da série de reportagens em ZH e que, depois, seria o título de seu livro, em 2003. O "País Bandido", na mente de Wagner e fruto de sua investigação jornalística, não era um país propriamente dito, mas essa região geográfica perfeita para planejamento e financiamento de atos ilegais.
Há mais de 30 anos, relatos de inteligência dos serviços de inteligência americano, a CIA, e isralense, o Mossad, apontam a existência de células adormecidas do Hezbollah, a milícia libanesa, na área. Esses grupos costumam estar fora de operação, mas reúnem as capacidades técnicas, operacionais e financeiras para realizar ações terroristas assim que convocados.
Nos anos 1990, dois atentados terroristas em Buenos Aires atraíram as suspeitas para a região das Cataratas do Iguaçu. Em 1992, na sede da embaixada de Israel, e em 1994, na sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia). No total, foram 114 mortos.
Em 2018, o libanês com cidadania brasileira Assad Ahmad Barakat, foi preso pela Polícia Federal (PF) por falsidade ideológica. Era suspeito de lavagem de dinheiro para o Hezbollah em cassinos de Puerto Iguazu na Argentina. O sistema financeiro paralelo na área costuma ajudar na engrenagem das operações. Completam o ciclo a facilidade de se obter documentos falsos e a proximidade com grupos narcotraficantes. No passado, já se comprovou ligações do Hezbollah com o PCC, de São Paulo.
Assim como se deve diferenciar o Hamas do povo palestino, os libaneses que moram na Tríplice Fronteira devem ficar, em qualquer reflexão, apartados do Hezbollah. O grupo terrorista da Faixa de Gaza tem apoio mínimo da população. E, na região de Foz do Iguaçu, a maioria dos libaneses e descendentes condena o grupo extremista. Muitos libaneses inclusive são cristãos – sendo que o Hezbollah é uma organização terrorista muçulmana xiita. Tempos atrás, inclusive, reportagens comprovaram que o grupo extorquia os moradores da região, com ameaças de matar seus familiares no Líbano, caso não recebesse dinheiro.
Em 2015, o promotor argentino Alberto Nisman foi encontrado morto em seu apartamento em Buenos Aires horas antes de apresentar um relatório ao Congresso no qual acusaria o governo de Cristina Kirchner de ajudar a acobertar os ataques dos anos 1990. Ele sustentava a tese de que o Irã e o Hezbollah haviam criado, desde 1984, estrutura em vários países da região. Essas células poderiam ser acionadas assim que seus padrinhos no Oriente Médio desejassem atacar um país ou uma comunidade, como os judeus. As duas explosões na capital argentina, durante o governo Carlos Menem, seriam resultado desse experimento. A prisão dos dois suspeitos, pela PF, na quarta-feira (9), sugere que esses grupos que continuam existindo, apenas estavam adormecidos.