Em 11 de outubro, quando cheguei ao quarto do hotel em Tel Aviv, tive a impressão de que era o mesmo no qual eu havia me hospedado em 2006, quando cobri a guerra entre Israel e Hezbollah. Confirmei essa lembrança logo que conferi o abrigo antiaéreo: era o mesmo ambiente com cheiro de umidade e ambiente claustrofóbico que impregnavam minhas memórias nos últimos 17 anos. Sempre que eu me lembrava de bombardeio, recordava daquele cubículo insalubre do hotel.
Desde o primeiro dia de cobertura, pensei em escrever este texto, comparando as guerras que eu vi em 2006 e a atual. Agora que encerro essa cobertura in loco - e infelizmente o conflito continua -, decidi colocá-lo no papel (e nas telas digitais). Escrevo do Aeroporto Rainha Alia, de Amã, capital da Jordânia.
Embora as dinâmicas e raízes do conflito sejam semelhantes, há algumas diferenças - inclusive no tipo de cobertura jornalística, hoje muito mais instantânea. Lembro que, em 2006, parte do meu trabalho, além de alimentar rádio, jornal e TV, era postar pequenos textos em um blog no ClicRBS. Hoje, a cobertura de GZH é dinâmica, com vídeos e textos produzidos aqui do front e pela equipe na Redação com uma quantidade e velocidade impressionantes. A cobertura ao vivo na Rádio Gaúcha também é muito maior.
Em 2006, para me deslocar em um carro alugado em Tel Aviv, utilizava um mapa em papel. Hoje, o Waze é ferramenta fundamental - aliás, criada em Israel.
Naquela guerra do início do século, pelas características da cobertura, estive em Israel, Turquia, Jordânia, Síria e Líbano, nesta ordem. Em Tel Aviv, desembarquei no aeroporto Ben Gurion. No conflito atual, com terminal em operação limitada, cheguei à região por Istambul, como escala para Amã, e ingressei por terra em Israel, pela fronteira Xeque Hussein. Não foi possível ingressar na Faixa de Gaza porque o território está bloqueado por Israel.
Em 2006, fiquei 15 minutos em meio ao fogo cruzado no norte de Israel, enquanto tentava chegar a Kiryat Shmona: um ataque com foguetes do Hezbollah foi respondido por Israel com disparos de tanques Merkava contra posições da guerrilha. Dias depois, em Beirute, ouvia ao fundo, desde o hotel, as explosões dos bombardeios israelenses contra o sul da cidade, redutos xiitas.
Nesta, os momentos de tensão foram vários: em Sderot, precisei correr para o abrigo a cada sirene cujo som era seguido do barulho das explosões. Houve disparos até quando refugiados em uma escola da cidade estavam sendo retirados para outras partes do país. Não havia onde se esconder a tempo, e vi o míssil de Israel abater o foguete no céu. Diferentemente do conflito anterior, desta vez os foguetes chegavam com frequência a Tel Aviv, antes de serem neutralizados pelo Domo de Ferro. No norte de Israel, ouvi tiros de fuzil e de canhões de artilharia em Shlomi, um vilarejo fantasma. Vinte e oito vilarejos israelenses foram evacuados naquela região.
A seguir, um compilado das semelhanças e diferenças do conflito que eu vi em 2006 e hoje. Nas duas guerras, o que não mudou são a dor, o medo e as mortes.
O estopim
A guerra de 2006 teve início a partir da infiltração de membros do Hezbollah, a partir do Líbano, no norte de Israel, e o sequestro de dois soldados israelenses. Em resposta, as forças israelenses ocuparam o sul do Líbano e bombardearam várias cidades libanesas, inclusive Beirute.
A guerra de 2023 começou a partir de um ataque terrorista do Hamas a partir da Faixa de Gaza contra vilarejos, kibutzim e cidades israelenses nas bordas do território palestino. Mais de 200 civis e militares foram sequestrados. Em resposta, Israel tem bombardeado a Faixa de Gaza e mobilizado efetivo para possível invasão por terra.
Um front, dois fronts
No conflito de 17 anos atrás, Israel estava envolvida em apenas uma frente de combate, no Líbano. Embora ocorressem protestos de grupos palestinos, em apoio ao Hezbollah, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, não havia ataques a Israel por parte dos grupos extremistas palestinos.
No atual conflito, Israel corre o risco de ter de atuar em duas frentes: no sul, onde prepara uma incursão terrestre e aplica bombardeios diários contra a Faixa de Gaza, e no Norte, onde há escaramuças com o Hezbollah, que tem atacado cidades israelenses na fronteira. O Hezbollah tem muito mais efetivo, treinamento e poder bélico o do que o Hamas. Ambos são financiados pelo Irã.
Mortes
A guerra entre Israel e Hezbollah, conhecida como Segunda Guerra do Líbano, durou de 12 de julho a 14 de agosto. Israel sofreu 165 mortos (121 soldados e 44 civis). No Líbano, foram mortos cerca de 700 combatentes do Hezbollah e mais de 1,1 mil civis, totalizando aproximadamente 1,8 mil baixas. No total: cerca mais de 1.960 mortos.
A atual guerra entre Israel e Hamas começou em 7 de outubro de 2023 com um ataque terrorista a várias regiões do sul de Israel. Só naquele episódio, 1,4 mil israelenses morreram, entre soldados e civis. Mais de 200 estão sequestrados. Neste domingo (22), o Ministério da Saúde palestino informou que o número de mortos na Faixa de Gaza subiu para 4.651 vítimas. O total: 6.051 mortos.
Táticas
Em 2006, Israel realizou uma campanha aérea no Líbano acompanhada de uma invasão terrestre clássica, com uso de infantaria, até o rio Litani.
No caso do atual conflito, há bombardeios também, mas, caso haja uma incursão terrestre na Faixa de Gaza, a tática no terreno terá de ser diferente: o território dominado pelo Hamas, em ambiente urbano densamente povoado, impõe ao invasor muitas dificuldades para o exército invasor. O inimigo aproveita-se das vantagens da guerra assimétrica, podendo atacar e se esconder rapidamente misturando-se à população civil. Esse tipo de ocupação se torna ainda mais difícil para Israel devido à presença de 212 reféns em poder do Hamas, que podem ser usados como escudos humanos.
Os foguetes
No conflito anterior, o Hezbollah utilizava-se, em geral, de foguetes Katiusha, que eram lançados do sul do Líbano contra vilarejos e cidades de Israel. Esses artefatos eram pouco precisos e seu poder de destruição, limitado. Ainda assim, atingia infraestruturas civis e matava israelenses.
Foi só depois da guerra de 2006 que Israel desenvolveu seu poderoso sistema antimíssil. Na guerra atual, o Domo de Ferro, como é chamado o mecanismo, intercepta e destrói mais de 95% dos foguetes lançados pelo Hamas. Mas o número de foguetes lançados pelo grupo terrorista palestino também é muito maior: 7.625 até este domingo (22), segundo contagem oficial de Israel.
Desinformação
Esta tática está presente desde os conflitos mais antigos - tanto que é conhecido o clichê segundo o qual “quando a guerra começa, a primeira vítima é a verdade”, frase pronunciada originalmente pelo senador norte-americano Hiram Johnson no fim da Primeira Guerra Mundial. A diferença é que, com as redes sociais, mentiras e boatos são disseminados com mais rapidez e atingem grande parte do público. Em 2006, esse tipo de canal ainda não era tão popular. O próprio Twitter foi criado naquele ano. O Facebook tinha apenas dois anos. E os aplicativos de mensagens WhatsApp e Telegram, por exemplo, não existiam ainda.
Hoje, a desinformação corre solta nas redes sociais e apps de trocas de mensagens, impulsionada por “influencers” e algoritmos, com fotos e dados manipulados e disseminados em velocidade instantânea. O caso do Hospital al-Ahli Arab é emblemático: minutos após a tragédia, cada lado construía a sua narrativa como “verídica”, culpando uns aos outros. Fotos ganhavam status de provas irrefutáveis e dados falsos eram divulgados aos quatro ventos, antes mesmo de qualquer investigação séria e independente - que, por sinal, ainda não ocorreu.