O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Com um resultado, nas palavras de diversos ambientalistas, "péssimo", a COP29, a Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Baku, impõe ao Brasil responsabilidades importantes ao sediar a COP30, em 2025.
A coluna conversou com Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma das mais reconhecidas redes de entidades ambientalistas do Brasil, sobre as principais agendas sobre ambiente e mudanças climáticas em 2025.
Um dos grandes desafios de 2025 será a COP30, em Belém. Qual será medida de sucesso para a conferência?
Acho que ninguém tem essa resposta. Porque temos uma quantidade tão grande de indefinições que não sabemos nem a agenda ainda. De forma geral, acho que teremos na COP do Brasil uma espécie de reagrupamento, para que seja recuperada a confiança nas negociações. Recuperar um pouco e avançar alguma coisa em termos de ambição climática. A ambição está focada no que os países vão fazer, no que eles vão se comprometer e em como irão agir. Acho que se fizermos isso, como pauta de ambição climática, com algum avanço, seria excelente. Vamos ter muita dificuldade, porque estamos em um momento de reversão na agenda do clima. A agenda do clima, às vezes, é um eletrocardiograma: uma hora está lá em cima, outra hora está lá embaixo. Nesse momento, a gente está com a agenda difícil, complicada.
Por quê?
Para soluções climáticas, precisamos de todos os países trabalhando em uma espécie de harmonia, em um ambiente de confiança para que seja construído algo coletivo. O movimento que temos hoje dentro da conferência é de grandes prejuízos. O primeiro deles é a eleição do Trump nos Estados Unidos. Trata-se de um evento climático extremo em si, porque ele promete tirar o país do Acordo de Paris. Inclusive, a COP no Brasil vai ser a primeira COP de Trump com presidente eleito (novamente). Não sabemos o tamanho do problema que ele pode causar nessa conferência. Segundo porque o resultado da última conferência foi muito ruim, no qual os países ricos, que mais devem (por conta da emissão de gases de efeito estufa), disseram o seguinte: "Sei que devo, só que não vou pagar". Além de colocar a agenda para andar para trás, isso quebra muito a confiança. O Brasil vai sediar a COP nesse espírito. Por outro lado, quando você tem uma agenda complicada como essa, nada melhor do que se ter um país comprometido com a agenda do clima para sediar a conferência. O Brasil vai ser o país certo para um momento não tão bom da agenda, mas é o país certo para pegar esse momento, porque tem muito compromisso e habilidade diplomática. É muito reconhecido e respeitado por isso.
Como avalia o comprometimento do Brasil com a agenda climática?
O principal número do Brasil é a diminuição do desmatamento. É também o principal avanço na agenda, com a diminuição do desmatamento. Isso é algo muito importante. Há também o fato de que uma parte do governo trabalha nessa agenda de clima de forma positiva. No Ministério da Economia, por exemplo, nunca tivemos um ministro que fosse tão próximo da agenda do próprio presidente. Temos o Ministério do Meio Ambiente com mais espaço para atuar. Temos o Ministério dos Povos Indígenas. É um governo que tem suas dificuldades, porque tem uma composição de visões diferentes, mas essa parte boa para a agenda de clima do governo é a que vai liderar a realização da conferência no Brasil. Por isso, acho que vai ser uma COP bem positiva para o Itamaraty, que tem um desempenho excelente. Contamos com números bons para pôr na mesa. Não que não tenhamos problemas internos, temos bons números para pôr na mesa e um bom comportamento na agenda de clima. Há boa vontade muito grande, e isso vai servir de contraponto ao que foi a presidência da última conferência no Azerbaijão, que foi terrível, desastroso.
E a fumaça densa sobre o Pará. Isso não provoca uma imagem negativa para o Brasil na COP?
Esse é o ponto que o governo precisa se preocupar: a agenda de adaptação, de cuidar dos desastres climáticos que já existem. A fumaça na Amazônia é consequência direta do aumento da temperatura no planeta. O Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil deveriam estar absolutamente desesperados com essa agenda de adaptação para a agricultura familiar, para as periferias do país, para o semiárido nacional. para o Rio Grande do Sul, para as áreas que são inundadas, que deslizam. Realmente, não vemos esse desespero todo por parte governo com relação a essa agenda. Você pode ter inclusive a COP no meio da fumaça.
O senhor falou sobre fortalecer o Itamaraty. O órgão está preparado para organizar um evento dessa magnitude?
Uma das questões é quem vai ser o presidente da COP. O governo ainda não tomou a decisão. É melhor tomar a decisão certa do que a decisão rápida. Uma boa decisão, para mim, é baseada no seguinte: um nome que vai servir à conferência e não o contrário. Não é um nome que deva se beneficiar da conferência. No próprio Itamaraty há muitas pessoas desse calibre, que poderiam conduzir a conferência dessa forma. Seria uma das formas de se fortalecer o Itamaraty.
Como o Observatório do Clima avalia o resultado da COP29?
O resultado foi péssimo, não conseguiu dar o mínimo de resposta para um dos principais pontos da agenda de clima. Há, pelo menos, três pontos que são importantíssimos: financiamento; melhoria da ambição, das promessas que os países fazem (sobre cortes de emissões); e o fim do uso de combustíveis fósseis. Se não forem resolvidos esses três pontos, não se fará nem cócega na tentativa de conter a crise climática. No primeiro deles, a resolução de Baku falhou miseravelmente. Os países ricos tinham a obrigação de dizer o quanto que doariam em recursos, e essa doação tinha de ser muito mais ambiciosa do que no passado. Eles tinham essa obrigação de colocar em cima da mesa esse valor. Eles simplesmente se negaram a assumir responsabilidade sobre fazer essa doação. A conferência terminou sem o dinheiro prometido e, mais do que isso, com quem deve, dizendo que não está disposto a pagar. Além de você não ter dinheiro, você termina com um abalo no ambiente de confiança.
E acredita que isso pode ser revertido para a COP30?
Pode ser revertido. Já tivemos situações parecidas que demoraram mais tempo. Em 2009, tivemos a COP de Copenhague e em 2015 tivemos o Acordo de Paris. Demorou seis anos. Mas era um outro período, outra tecnologia, outro ritual de negociação. As coisas estão muito mais rápidas hoje, e a crise climática está muito mais urgente. Não tem mais esse luxo de demorar anos para resolver um problema de agenda. Acho que dá tempo. Mas também não temos muita opção. Tempo é um luxo que nos falta.
Além da COP30, o que no Brasil devemos ficar atentos para 2025?
A questão de adaptação. Você tá no Rio Grande do Sul, o pessoal aí está tranquilo? Qual que é a resposta que os governos em geral — federal, estadual — deram para a população? O que diz no sentido de: "Fica tranquilo que, a partir de agora, assumimos. Estamos fazendo grandes obras, uma agenda programada para que não aconteça nunca mais". Para o pessoal da Amazônia, para o pessoal do semiárido? O pessoal que desbarrancou em São Sebastião, para o pessoal da enchente em Recife, para o pessoal de Petrópolis? De dois anos pra cá, o norte de Minas, o sul da Bahia, tudo aqui ou encheu ou teve seca ou desbarrancou. Há uma agenda em torno da qual o governo deveria estar desesperado, que é essa agenda de adaptação no Brasil. Ela está diretamente ligada ao combate da pobreza e desigualdade no Brasil, que é a centro de atuação do governo federal. Esses eventos extremos, quando ocorrem, como é o caso que está acontecendo no RS, condenam muitas pessoas. Como fica o pessoal de Eldorado do Sul, o agricultor, que não tem mais nem terra? Faz o quê? O prejuízo é gigantesco. E qual é as ações de adaptação, de preparação, desses locais para que nunca mais ocorra? Pelo menos que se minimize, caso ocorra de novo. Acho que essa agenda é a mais urgente. Não é uma agenda de negociação de COP, é de país mesmo. Negociação de COP é uma outra coisa: o quanto vai parar o desmatamento para o planeta não aquecer etc. Quando você para o desmatamento, o planeta inteiro não aquece. Agora, quando você faz uma agenda de adaptação em um local, aquela realização fica no local. Ela não beneficia o planeta inteiro. É uma agenda de Brasil. Eu gostaria de ver todos os governos, não só o federal, com senso de urgência muito mais aflorado. E não vejo isso acontecendo.