Ódio. Muito ódio. As marcas desse sentimento estão por todos os lados em Be'eri, kibutz que se tornou o símbolo da tragédia que se abateu sobre Israel em 7 de outubro de 2023. Nas paredes e no teto das casas dessa comunidade onde mais de cem corpos foram encontrados, há tantas marcas de tiros de fuzil que é impossível contá-las no tempo que temos para permanecer aqui: uma hora no máximo.
Estamos a menos de dois quilômetros da Faixa de Gaza. Esta é, agora, zona militar. GZH chegou a Be'eri em um ônibus blindado em uma viagem organizada pelo Government Press Office (GPO), o Escritório de Imprensa do governo de Israel. Foram duas horas desde Jerusalém, de onde o grupo de repórteres, cerca de 50, saiu. Quinze minutos antes de chegar a Be'eri, houve uma parada em Netivot para instruções. Ficaremos o tempo necessário para fotografar a destruição e iniciar o retorno. A proximidade de Gaza mantém jornalistas e autoridades civis que organizaram a visita em alerta. Há risco de ataques por parte do grupo terrorista, seja por meio de foguetes ou de franco-atiradores, apesar do tamanho descomunal do efetivo militar israelense.
De Netivot, onde outro ônibus com jornalistas se junta ao nosso, partimos em direção ao kibutz. Há escolta armada à frente.
A violência do ataque do Hamas, duas semanas atrás, se revela aos poucos: na vegetação incinerada no acostamento da rodovia e no telhado de um galpão de máquinas destruído. Mas é só quando se chega ao portão de Be'eri, aquele que foi explodido pelos terroristas, é que se toma conhecimento da real dimensão da tragédia. As primeiras casas, avistadas desde a entrada, foram devastadas. Foguetes de forte poder destrutivo caíram sobre as residências: há rombos nos telhados e nas paredes.
À medida que nos aproximamos dos escombros, percebemos detalhes de vidas interrompidas pelo ataque, que começou por volta das 6h30min do dia 7: a bola de futebol fora deixada no quintal, do lado de fora; a bicicleta também, e agora virou um monte de ferro retorcido. No que seria a sala de estar de uma residência, memórias de dias felizes ainda estão registradas em fotos na geladeira, fixadas por imã. Nas imagens, crianças dão gargalhadas e pais aparecem abraçados aos filhos, em cenas de alegria que contrastam com o cenário atual, de horror.
Olhando assim, como visitante, Be'eri deve ter sido um lugar muito feliz de se viver: com árvores frutíferas, bosques, flores e uma comunidade que era conhecida pela união, segundo relatam moradores de kibutzim vizinhos poupados do massacre. Cerca de 1,1 mil pessoas habitavam o kibutz. Todas se ajudavam e, a partir do princípio solidário que vigora nessas comunidades agrícolas, todos se ajudavam: dividiam o trabalho e o lucro. Quem morava em Be'eri costumava brincar diante de quem perguntava sobre o eventual medo de morar tão perto da Faixa de Gaza. Era o único "problema", diziam. Tinha de haver um "problema". Não fosse isso, Be'eri seria o paraíso, o lugar onde todos gostariam de criar seus filhos. Seria perfeito demais, diziam.
Mas esses dois quilômetros que separam o kibutz da cerca violada da fronteira de Gaza naquele dia fizeram toda a diferença. A matança de 7 de outubro começou por aqui. O cheiro de queimado ainda está presente. Há uma cratera, como se tivesse sido provocada por uma bomba, entre o quintal de um vizinho e outro, logo nas primeiras casas. Pais, mães, avós e crianças foram queimados vivos dentro de casa. Quem fugia do fogo ateado pelos terroristas, era pego na saída por saraivadas de fuzis, cujos projéteis ainda estão espalhados pelo chão entre restos de telhas, de pedaços de concreto das paredes e de utensílios comuns, do dia a dia dos moradores, como panelas, tênis e malas. Em uma das residências, identifico o que era a cozinha apenas a partir da pia. O resto está destruído. A torneira virou um monte de metal retorcido.
Enquanto se caminha pelo kibutz, é possível avistar sacos brancos com o símbolo da Zaca, a organização israelense responsável por recolher os corpos de vítimas de tragédias como atentados terroristas. Pela tradição judaica, todos os restos mortais devem ser retirados do local dos crimes para que seja dado um sepultamento digno às vítimas. Esses homens, forjados pela dureza de cenas de extrema violência, ficaram, eles próprios, horrorizados com o que viram em Be'eri. Não conseguiram recolher todos os restos humanos de Be'eri - o que, para eles, é como se não tivessem cumprido com sua missão. Os sacos brancos pelo chão são, possivelmente, resquícios, provas que ainda precisarão passar por análise criminal ou DNA.
Em Be'eri, nem os vegetais foram poupados. Muitos pomares estão ressecados pelo fogo, e as frutas trazem marcas dos incêndios.
Os sobreviventes foram levados pelo governo para outras cidades, como Beersheva, Jerusalém e Tel Aviv. Ninguém ficou. Hoje, Be'eri é área militar. Enquanto encerramos esse tour de terror, tanques Merkava das Forças de Defesa de Israel roncam seus motores e apontam os canhões para o Oeste, onde fica, em linha reta, a Faixa de Gaza. Veículos de transporte de tropas passam rápido, paralelos à cerca do kibutz, que, incrivelmente, está em sua maior parte preservada. Levantam poeira do Neguev. Se houver uma ação por terra, será daqui, de Be'eri, onde tudo começou, que sairá boa parte do efetivo para invadir Gaza.