No dia D da reforma da Previdência na França, crucial para as finanças públicas, o presidente Emmanuel Macron decidiu lançar mão de uma decisão à fórceps para impor a vontade do governo.
Diante da dificuldade de aprovar o projeto no parlamento e frente a forte oposição popular, que levou milhares de pessoas às ruas nos últimos dias, o presidente francês decidiu acionar o artigo 49.3 da Constituição. Esse é um mecanismo que permite ao governo seguir adiante com medidas, mesmo que não sejam aprovadas pelo parlamento - por isso, é tido como um ato pouco democrático, embora permitido pela Carta Magna.
O projeto é encabeçado pela primeira-ministra Elizabeth Borne, que enfrenta dura oposição do Partido Republicano (centro direita), de Marine Le Pen (Reunião Nacional) e de sindicatos que se articularam em torno de uma junta que comanda greves e manifestações - o retrato mais vívido da crise é que Paris, a Cidade Luz, está tomada de lixo em razão da paralisação dos garis.
De forma geral, a reforma propõe aumentar a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos a partir de 2030. Além disso, estabelece que, alguém que entre no mercado de trabalho em 2027, precisará contribuir por 43 anos para receber o valor integral da aposentadoria, um ano a mais do que atualmente. Os regimes especiais, pessoas que podem se aposentar mais cedo, como garis, bombeiros e policiais, teriam a idade mínima elevada de 57 para 59 anos.
O uso do mecanismo 49.3 representa o fracasso total do governo Macron e de seu partido Em Marcha, que se identifica como um movimento e "centro centro". É uma medida que será explorada pela oposição como autoritária e que abrirá as portas para extrema direita, representada pela Reunião Nacional, nos próximos meses.
Nas últimas eleições, em abril de 2022, Marine Le Pen, da Reunião Nacional, chegou forte ao segundo turno contra Macron, assim como já havia ocorrido em 2017. Ela perdeu de novo graças à união das forças chamadas democráticas. Macron foi reeleito. Mas, na prática, a extrema direita conseguiu uma votação recorde para seu partido, com 12 milhões de votos. Seu movimento foi normalizado como parte do cenário político e ganhou status de principal força de oposição.