Sou do tempo em que se dizia que videogame estragava a televisão. Assim que aprendi, na adolescência, que o avião poderia servir para matar seres humanos na guerra, mas também nos permitia conhecer culturas muito diferentes das nossas e, assim, ampliar nossos horizontes, passei a responder que a tecnologia, em si, não é boa ou má. A questão é o que fazemos com ela.
Lembrei dessa história ao ouvir, nesta segunda-feira, o discurso do delegado Andrei Passos Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal (PF) no seminário Liberdade de Expressão, Redes Sociais e Democracia, organizado pela Fundação Getúlio Vargas e Rede Globo, no Rio de Janeiro.
Falaram no evento o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, o titular da Justiça e Segurança, Flávio Dino, entre outras autoridades, mas me chamou atenção o discurso do gaúcho Andrei porque muitas vezes aquelas pessoas que cometem crimes usufruindo da facilidade das redes sociais se esquecem de que, por meio delas, também serão descobertas. Vale para os dois lados: para o bandido e para a polícia.
Estou simplificando, obviamente. Mas, como salientou o delegado Andrei, o mundo virtual não pode ser uma terra sem lei.
- Por que cargas d'água entendemos que, no mundo real, não se pode fazer uma coisa e no virtual se tem direto de fazer o que se bem entende - questionou?
O delegado destacou que a influência das big techs, dos algoritmos e da inteligência artificial, que vão direcionando conteúdos, criando grupos de pessoas que até então não tinham pontos de contato e manipulando muita gente de maneira que essas pessoas, em algum momento, saem da frente do computador ou celular e vão para a rua, quebrar tudo e atentar contra a democracia.
- As redes sociais se multiplicaram com as mesmas características das multidões psicológicas, que são estudadas há muito tempo. Por mais diferentes que possam ser seu caráter ou sua inteligência, o mero fato de se transformarem em multidão dota esses indivíduos de uma espécie de alma coletiva - explicou.
Aqui, observamos o papel do algoritmo, que direciona conteúdos a determinadas pessoas - alguém muito religioso ou contrária ao casamento gay, que não têm relações entre si, mas que encontram, via redes, um ponto de contato e transformam-se nessa alma coletiva extremamente danosa.
Daí a expressão que mais chamou a atenção na fala do policial federal. Na operação Lesa-pátria, que investiga os atos extremistas do dia 8 de janeiro em Brasília, é possível identificar uma catarse.
- Há, de fato, há um surto coletivo: as pessoas ainda creem estar em um mundo virtual, mas não se dão conta de que estão no mundo real - disse Andrei.
O delegado destacou que a complexidade das investigações cibernéticas decorre de fatores puramente técnicos ou mesmo da dificuldade de acesso a informações que estão em poder de outras jurisdições e sob regimes jurídicos diferentes. Em apoio à atividade de análise, soluções tecnológicas podem funcionar como boas ferramentas de investigação. A transformação digital, os algoritmos e a inteligência artificial são capazes de ajudar a melhorar a detecção de crimes e abusos, explicou.
Assim, tanto as polícias podem desenvolver as ferramentas para aprimorar e agilizar investigações como empresas privadas, em especial as prestadoras de serviços digitais. Atores econômicos, como empresas de tecnologia, que prestam serviço de conteúdo, conexão e hospedagem de internet, têm sido um fator crítico de sucesso ou insucesso para investigações criminais e para implementação de medidas. E, como afirma Andrei, se essas empresas lucram em cima disso, impulsionam conteúdo, vendem publicidade, elas sim, são partícipes e devem ser responsabilizadas.
Ele identificou a ausência de vontade ou de capacidade de reação. Nas organizações privadas, citou que a informação é reconhecida como ativo estratégico de negócios. - A monetarização de dados e as preocupações competitivas do mercado podem inviabilizar a cooperação e o combate ao crime. E explicou que um exemplo claro ocorre quando dos ataques cibernéticos o bloqueio, ou chamado sequestro de dados, e o pedido de resgate. Muitas vezes, empresas optam por não comunicar o fato à polícia judiciária e com isso há expansão desse crime e a dificuldade maior do enfrentamento.
Mais uma vez, a tecnologia facilita, dificulta ou ajuda a esconder.