Enquanto o governo dá os primeiros passos, anunciando pacotes na média de nova medida a cada sete dias, do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso, o Planalto trava um duelo de CPIs.
Eu poderia chamar de ironia o fato de a oposição articular uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os atos extremistas do dia 8 de janeiro, que colocaria na mira financiadores e organizadores dos ataques - a maioria apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas trata-se de estratégia política: quem instala uma CPI, comanda os trabalhos, dirige os rumos. Em outras palavras: há uma clara tentativa, nos bastidores, de se inverter a narrativa dos atentados à República, responsabilizando autoridades do governo federal por falhas de segurança que permitiram as invasões do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Protocolada pelo deputado André Fernandes (PL-CE), a iniciativa de CPMI endossa a tese bolsonarista nas redes sociais de que a esquerda plantou infiltrados nos atos daquele domingo para manchar a imagem de apoiadores do ex-presidente. A proposta alega que o governo tinha conhecimento prévio das manifestações, mas que teria se omitido para prejudicar Bolsonaro. Na opinião da deputada Maria do Rosário (PT-RS), os que propõem essa CPI não querem, verdadeiramente, enfrentar os ataques do dia 8.
- Se quisessem estariam apoiando as iniciativas do ministro Flávio Dino, as iniciativas do Supremo Tribunal Federal e da Polícia Federal. O que querem é desviar a atenção do país daquilo que é o principal: reconstruir e unir o Brasil para que o desenvolvimento chegue a todos os brasileiros e brasileiras e para que a democracia seja assegurada de forma a não termos mais retrocessos - afirma.
No último dia 27, perguntei, no programa Gaúcha Atualidade, na Rádio Gaúcha, a Dino o que ele achava da acusação de que o governo teria sido omisso.
- A omissão está associada a dever legal. O dever legal, nesse caso, no se refere ao policiamento ostensivo, não pertence ao governo federal. Isso é na verdade é uma narrativa amiga dos terroristas: são pessoas que tentam proteger vândalos, agressores, criminosos e desviar o foco da investigação, criando algo desbaratado do ponto de vista jurídico. Juridicamente, só é considerado omisso que tinha o dever legal de agir. Quem faz policiamento ostensivo, na rua, não é o governo federal, é o governo dos Estados - disse.
A proposta de CPMI conta com o apoio de 189 deputados e 33 senadores, ou seja tem o número de assinaturas suficiente (171 e 27, respectivamente) para seguir adiante. Mas enfrenta a oposição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do governo, que busca neutralizar a iniciativa de duas formas: convencendo parlamentares que integram a base a retirar assinaturas e apresentando outras CPIs: a das joias sauditas com as quais a delegação de Bolsonaro tentou ingressar no Brasil, sem declarar à Receita Federal, e a das Lojas Americanas, para investigar suspeita de fraude contábil da empresa que revelou rombo bilionário.
No Planalto, ninguém quer ouvir falar em CPI dos atos golpistas. O governo entende que órgãos como a Polícia Federal (PF) têm autonomia para encaminhar as investigações. E, principalmente, porque isso daria palco para bolsonaristas, entravaria o processo legislativo em ano de prioridades, como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, e desviaria o foco.
Em relação ao esforço para evitar a CPI, o governo intensificou os trabalhos para esvaziar o conjunto de assinaturas, por meio de articulações do ministro das Relações Institucionais, Alexadre Padilha, e de líderes da base.
Ainda que a CPMI não saia, o plantel de assinaturas até agora não deixa de ser uma amostra da dificuldade que o governo irá enfrentar em outras votações, já cantada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Das 171 assinaturas na Câmara que a oposição diz ter para a CPMI, 48 delas são de deputados de partidos que integram o governo - MDB, PSD e União Brasil, juntos, contam como nove ministérios.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), exigiu de Pacheco que que explique por que as propostas de investigação parlamentar não foram adiante - além da CPMI, há em análise outra, protocolada pela senadora Soraya Tronicke (União-MS), no ano legislativo anterior.