Pode até ser mera coincidência que um importante encontro sobre mudanças climáticas, o Diálogo Climático de Petersburg, na Alemanha, ocorra nesta semana, enquanto boa parte da Europa queima devido à onda de calor do verão no Hemisfério Norte e os incêndios florestais cravejam o mapa do Velho Continente de focos vermelhos.
A tragédia, que a cada junho/julho coloca a região em alerta, ganha o noticiário internacional como parte mais visível dos fenômenos extremos a que assistimos em decorrência do aquecimento global.
Alguns dirão: ondas de calor, queimadas e secas sempre ocorreram. Sim, mas não com tamanha intensidade.
A Europa ganha visibilidade por ser... Europa. Inundações em Bangladesh, o desaparecimento de países ilhas do Pacífico, ciclones tropicais abaixo da linha do Equador ou a estiagem prolongada no Estado acabam ganhando apenas atenção regional. Mas os sinais da emergência climática, um "suicídio coletivo", nas palavras do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrez, na abertura do encontro em Berlim, estão aí.
O evento na Alemanha tem como um dos objetivos pressionar por metas mais ousadas de redução de gases do efeito estufa para a Conferência do Clima (COP27), que será realizada em novembro, no Egito. Mas, pelo andar da carruagem, é possível imaginar que o vício da humanidade em combustíveis fósseis, até lá, fará retroceder o debate.
Em meio ao aumento da pobreza, da desigualdade social e com inflação nas alturas em diferentes regiões do planeta, quem irá falar de ambiente e aquecimento global?
A questão é sobreviver.
Nos EUA, uma recente pesquisa do The New York Times/Siena College mostrou que apenas 1% dos eleitores americanos apontou as mudanças climáticas como a questão mais importante que o país enfrenta, muito atrás de inflação e economia. Mesmo entre as pessoas com menos de 30 anos, de quem esperava-se maior abertura ao tema, o percentual foi de 3%.
Quando o torniquete aperta, recorremos às velhas e desgastadas fórmulas: a guerra na Ucrânia levou vários países da Europa a religar as usinas de carvão para economizar gás natural para diminuir a dependência da Rússia.
A crise expõe a incoerência de governos - a Alemanha defensora das energias limpas foi uma das que reativou as usinas de carvão, uma contradição doméstica, inclusive, porque o país tem, como ministra de Relações Exteriores, uma campeã da luta contra o aquecimento global, Annalena Baerbock, dos Verdes. É como se a Alemanha estivesse sediando um encontro sobre a paz global no momento em que aumenta seu orçamento militar.
Nos EUA, o aumento dos combustíveis, em decorrência da guerra na Ucrânia, não gerou uma busca por energias renováveis, na prática. Ao contrário, o presidente Joe Biden foi à Arábia Saudita na semana passada para tentar convencer o reino a aumentar a produção de petróleo - para reduzir os preços no mercado internacional e tentar amenizar a crise interna, com vistas às eleições de meio de mandato, em novembro.
Em sete dias, a Europa contabilizou mais de mil mortes em decorrência da onda de calor. O Reino Unido deve atingir, segundo a previsão, 41°C entre esta segunda-feira (18) e a terça-feira (19). Espanha, Portugal e Itália são os países com maior número de focos de incêndios florestais, mas a crise espalha por todo o continente, inclusive na distante Croácia.
Mais calor, mais gasto de energia: no Reino Unido, o governo alertou que a onda pode paralisar o transporte público: no domingo (17), os trilhos de uma linha de trem foram incendiados. Na quarta-feira (20), a União Europeia deve votar um plano para cortar o consumo de energia: entre as medidas, estão a limitação dos aquecedores a 19°C no inverno e aparelhos de ar-condicionado a 25°C no verão.
É aí que o aquecimento global, as mudanças climáticas, temas aparentemente distantes, herméticos, começam a tocar em nossas vidas comezinhas.