O que muda nas relações entre Brasil e França com a reeleição de Emmanuel Macron, no último domingo (24)? Absolutamente nada. Ao menos até o pleito brasileiro, em outubro. Como se costuma dizer no jargão diplomático, as relações bilaterais estão em "modo automático". Ou seja, não há turbulências, rupturas, mas também não há uma aproximação, digamos, mais acalorada.
Segue-se o padrão: intenso comércio e laços históricos e culturais preservados. Mas sem conversas de bastidor ou telefonemas entre os presidentes. Até as felicitações do governo Jair Bolsonaro a Macron, na segunda-feira (25), foram gélidas: "O Governo brasileiro cumprimenta o senhor Emmanuel Macron por sua reeleição à Presidência da República Francesa. O Brasil reafirma a disposição de trabalhar pelo aprofundamento dos laços históricos que unem os dois países e trazem benefícios mútuos a brasileiros e franceses, e manifesta expectativa de seguir implementando a ampla agenda bilateral".
Há quem diga que esse é o momento de maior afastamento entre os dois países em décadas. Claro que não é uma relação ideal, mas já é muito depois do estremecimento entre os palácios do Planalto e do Eliseu em 2019, quando a troca de farpas chegou ao nível pessoal.
É vergonhoso, mas importante lembrar. Em 2019, o Brasil expunha ao mundo seu pouco cuidado com a Floresta Amazônica. Os números de desmatamento, áreas incendidas e as imagens da mata em chamas eram manchete internacional. Macron, durante pronunciamento na cúpula do G-7, disse que a Amazônia é um bem comum global. Bolsonaro respondeu que o colega francês usava tom sensacionalista e estava querendo instrumentalizar uma questão interna brasileira. A partir daí, a coisa escalou para o lado pessoal. Um seguidor do presidente postou a foto de Brigitte Macron, esposa de Macron e primeira-dama francesa, ao lado de outra imagem, de Michelle Bolsonaro, sugerindo que o francês estaria perseguindo o Brasil por inveja. Bolsonaro respondeu: "Não humilha, cara. Kkkkk". A fala machista fazia referência às idades das duas esposas. Brigitte tinha 66 anos. Michelle, 37. Macron considerou Bolsonaro "extremamente desrespeitoso" e disse lamentar pelos brasileiros.
Não parou por aí - viriam críticas do brasileiro ao fundo de preservação da Amazônia, que chamou de "esmola" e, em novembro à visita do ex-presidente Lula -, mas a gênese da discórdia estava lá, naquele agosto pré-pandemia.
Então, não espere melhores relações no segundo mandato de Macron. Enquanto ele estiver no poder (e Bolsonaro no Brasil), a França não ratificará o acordo Mercosul-União Europeia, celebrado como o grande gol da diplomacia brasileira no atual governo. Nesse tema, a questão do protecionismo agrícola fala muito mais alto, mas diplomacia presidencial também é muito importante.
Não seria muito melhor a situação se Marine Le Pen tivesse sido eleita no domingo. Possivelmente, haveria um alinhamento ideológico - ela buscou se aproximar de Bolsonaro no início do mandato do brasileiro, mas afastou-se após as falas machistas contra Brigitte. Entretanto, sua proximidade com Viktor Orbán, de quem Bolsonaro é fã, e as críticas ao suposto globalismo e multilateralismo os colocam no mesmo lado do espectro político. Mas não esqueçamos: Le Pen só chegou a quase metade dos votos dos eleitores franceses no segundo turno no domingo, o melhor resultado da extrema direita na história, porque moderou o discurso e soube se aproximar da França profunda. Se Macron não assina o acordo, Le Pen também não o ratificaria porque o tratado Mercosul-UE beneficiaria as exportações brasileiras de produtos agrícolas para o bloco europeu, atingindo em cheio o eleitorado de Le Pen.