A França de novo barrou a extrema-direita, visão política que, embora vá de encontro aos valores históricos franceses, demonstra ao mundo, a cada pleito, a dificuldade que os partidos tradicionais têm, na atualidade, de fazer eco às demandas do cidadão médio.
A vitória de Emmanuel Macron, a se confirmarem as projeções, será menor do que a de cinco anos atrás (quando conquistou 66,1% dos votos, contra 33,9%). Nesta, teria 58,2% contra 41,8%. A candidata do Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional) teria quase oito pontos percentuais a mais do que no pleito de 2017.
Ainda assim, o crescimento dos radicais não é só culpa de Macron. O que deve ser a maior abstenção em mais de 50 anos revela um desencanto com a política de forma geral e com os dois candidatos que disputaram o segundo turno de forma particular - o atual presidente visto como muito elitista, Marina Le Pen observada como radical, e ambos taxados como autoritários.
Le Pen conversa melhor com a França profunda, onde os impactos econômicos da covid-19 são mais sentidos e onde seus discursos xenófobo (França para os franceses, leia-se migrantes fora) e antieuropeu (mais Paris e menos Bruxelas) têm melhor aderência. É para esse público, que vê o presidente como mais preocupado em deixar um legado como estadista e não em atacar os problemas domésticos, que Macron terá de se voltar agora. Isso é um problema porque, em países desenvolvidos e em Repúblicas presidencialistas, no segundo mandato, especialmente a partir do terceiro ano, o presidente está mais preocupado em deixar um legado do que em arriscar-se. Logo, Macron, cujos resultados já não lhe dão muito capital político para medidas impopulares, tem dois anos para pôr em marcha a controversa reforma da Previdência, com a proposta de aumentar a aposentadoria para 65 anos (ante os 62 atuais), por exemplo.
O movimento dos Coletes Amarelos, que entrou em hibernação por conta da pandemia, pode voltar às ruas a qualquer momento. Não era apenas por causa do aumento do preço dos combustíveis que os manifestantes protestavam. Esse foi o estopim que sacudiu a 5ª República em 2018. Mas logo os protestos se tornaram algo contra tudo e contra todos. A próxima fagulha pode vir de qualquer um dos quadrantes franceses. É questão de tempo.
Equilibrar o âmbito doméstico com o palanque internacional, para Macron, no entanto, não será fácil. Sobretudo porque a França é a segunda maior economia da União Europeia (UE), costuma fazer uma dobradinha com a Alemanha como motor do bloco, e o continente enfrenta sua maior crise de segurança desde a guerra nos Bálcãs, nos anos 1990, cujo desfecho já afeta o equilíbrio de poder.
No primeiro mandato, Macron consolidou-se como um porta-voz dos humores europeu, ajudou a costurar com Angela Merkel um plano de recuperação econômica de 750 bilhões de euros e se tornou um dos guardiões das políticas de combate à covid-19. Mas Merkel é passado (e sua relação com Olaf Scholz, o novo chanceler, não é tão automática). O preço do fechamento da economia francesa durante a pandemia já é cobrado. E, para piorar o cenário, Macron superestimou sua capacidade de mediação diante de um Vladimir Putin armado e perigoso. Esta é uma Europa bem diferente daquela de 2017, quando ele chegou ao Palácio do Eliseu pela primeira vez.