Vladimir Putin invadiu a Ucrânia com o objetivo estratégico de evitar a ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mas a ação, se por um lado barrou o ingresso do país atacado na aliança militar do Ocidente, provocou dois efeitos colaterais interligados, que talvez não estivessem nos planos do presidente russo: a expansão da Otan para países que, até pouco tempo atrás, não pensariam em integrar o grupo, como Suécia e Finlândia, e a militarização como um todo da União Europeia (UE).
A primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson, teria mudado de opinião e se tornado favorável ao ingresso do país na aliança militar, segundo o jornal Svenska Dagbladet. Na vizinha Finlândia, a chefe de Governo, Sanna Marin, disse que o parlamento deve discutir nas próximas semanas a questão. Provavelmente, os dois países escandinavos, que historicamente mantinham uma linha de neutralidade e conhecidos pelo perfil pacífico, irão tomar a decisão em bloco, até pelas ameaças comuns que enfrentam em relação à Rússia. A Finlândia, por exemplo, compartilha com o país de Putin 1,3 mil quilômetros de fronteira. As duas primeiras-ministras também contam com o apoio de suas populações para a guinada estratégica. Desde a invasão da Ucrânia, cenas de massacres, de prédios destruídos e indícios de crimes de guerra provocaram revolta na opinião pública. Um sentimento que vem acompanhado pelo medo.
Na atual configuração, em caso de uma ameaça russa, esses dois países escandinavos não contariam com o chamado "escudo" da Otan, o princípio expresso no artigo 5º da aliança militar, segundo o qual "um ataque contra um membro é um ataque contra todos". Em outras palavras, estariam vulneráveis tanto quanto a Ucrânia. Como membros, em um processo que pode levar até 12 meses, a defesa mútua estaria assegurada. A Noruega, outro país da Escandinávia e que compartilha com a Rússia poucos quilômetros de fronteira, já é membro da Otan. Os anúncios devem ser alinhavados até 28 e 29 de junho, data de uma reunião da Otan em Madri.
A guerra nas bordas da Europa também provocou uma mudança drástica nos planos de defesa de cada país. A Alemanha, uma nação cuja atuação militar foi drasticamente reduzida desde a Segunda Guerra Mundial, anunciou recentemente que irá elevar seu orçamento de defesa, superando os 2% do Produto Interno Bruto (PIB), algo equivalente a US$ 70 bilhões por ano, mais do que o dobro do que o Kremlin investe em suas tropas. O chanceler Olaf Scholz também anunciou que o governo irá desembolsar US$ 100 bi em modernização de suas forças armadas. O país é um dos mais engajados no envio de equipamentos militares para a defesa da Ucrânia, colaborando com foguetes antitanque e mísseis antiaéreos.
A Europa como um todo está se armando. Putin conseguiu até destravar um dos braços que menos avançou até agora desde a fundação da União Europeia: se a livre-circulação de bens, serviços e pessoas avançou muito desde os anos 1990, um projeto de defesa comum do bloco sempre esbarrou na oposição de alguns países, como a Alemanha. Não mais.
Por ano, a UE gasta, somando-se todos os membros, US$ 230 bilhões em despesas militares, valor semelhante ao da China e muito superior ao da Rússia. Mas problemas com orçamentos fragmentados, duplicação de capacidades e falta de outras, dificuldades de operação conjunta entre sistemas diferentes e pouca experiência em combate tornam o poderio militar menos robusto do que as cifras sugerem.
Um exército de defesa da UE não se chocaria com a Otan ou haveria duplicidade? Isso até era uma preocupação. Mas pode ser algo facilmente resolvido diante da ameaça russa - porque até isso Putin conseguiu com sua guerra: unir a Europa. Uma tropa europeia poderia ser um braço da Otan, tema que, antes mesmo do conflito já era debatido, a partir do desengajamento dos Estados Unidos dos cenários de batalha no Oriente Médio e na Ásia.