Virou clichê, mas, infelizmente, é muito difícil fugirmos dele: "Na guerra, a primeira vítima é a verdade." Com algumas variações, essa frase vem sendo repetida desde 1918, quando, no ocaso da Primeira Guerra Mundial, o ex-governador da Califórnia e senador Hiram Johnson a pronunciou. Virou título de livro, uma das bíblias dos correspondentes de guerra, "A Primeira Vítima", do jornalista Phillip Knightly, que faz a autópsia da relação entre mídia e poder da Guerra da Crimeia (a primeira, no século 19) até o Vietnã, estendendo a análise atéo conflito no Kosovo, na última edição.
Em todos os conflitos armados, há versões, boatos, mentiras, espionagem e desinformação. Os alvos são diversificados: a opinião pública doméstica ou do país atacado, o exército nacional ou o inimigo, aliados e adversários. Mas o objetivo é o mesmo: enviar uma informação em prol dos seus interesses para minar o moral do rival, confundi-lo ou fazer sua população virar-se contra as autoridades.
Não é diferente na atual guerra na Ucrânia - desde novembro, o presidente russo, Vladimir Putin, negava que haveria uma invasão, enquanto o mundo observava, ao vivo e a cores, o acúmulo de tropas nas fronteiras da Ucrânia, que, a certa altura, estava cercada por militares. Mais: no dia 24 de fevereiro, dia do início da invasão, os delegados do Kremlin estavam em Nova York negociando a paz no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Mas quero destacar dois fatos recentes que atestam nossa incapacidade de verificar, de forma independente, quem é o culpado por duas tragédias nessa guerra. Na sexta-feira (8), mísseis caíram sobre a estação de trem de Kramatorsk, que estava abarrotada de civis que fugiam do conflito. Pelo menos 50 pessoas morreram, cinco delas crianças, e mais de cem ficaram feridas.
Quem acompanhou minha cobertura na Ucrânia, em fevereiro e março, deve imaginar o que senti quando soube que uma estação havia sido atingida. Passei uma madrugada, em um local como esse, em Lviv, em que, a cada minuto, tentava acreditar que Putin não atacaria uma área como aquela.
Pois houve um ataque a uma estação de trem. O problema é que não conseguimos, até o momento, identificar a origem. Uma análise preliminar mostra que foram utilizados foguetes Tochka-U no ataque, um artefato que não está no cardápio de armas russas.
Por sua vez, surgiu a imagem da carcaça de um desses foguetes, no qual se lia "Pelos nossos filhos", o que sugeria que a arma havia sido utilizada por separatistas da região de Donetsk, em represália aos sucessivos ataques das forças armadas ucranianas na guerra que se desenrola na região desde 2014.
Fato: morreram pessoas inocentes, não envolvidas diretamente no conflito, o que por si só já se configura um crime de guerra.
Quem atacou? Não sabemos.
Outro episódio de desinformação: na segunda-feira (11), a principal informação sobre a guerra na Ucrânia pela manhã era uma mensagem no Facebook postadas por soldados da 36ª brigada da marinha nacional ucraniana segundo a qual a batalha final por Mariupol estava em andamento. O relato era dramático: "É a morte para alguns de nós e cativeiro para os demais", dizia a mensagem. Hoje será provavelmente a última batalha, pois a munição está acabando". "Estamos desaparecendo pouco a pouco", encerrava a nota, que trazia um pedido para todos: "lembrem-se de nós com uma palavra gentil".
Como se sabe, Mariupol é o inferno na Terra, a mais castigada de todas as cidades ucranianas, a Dresden do século 21. E, pela mensagem dos soldados ucranianos, estava a ponto de cair nas mãos dos russos.
Só que, algumas horas depois, veio a público a informação, por parte do governo ucraniano, de que a conta do Facebook onde a mensagem havia sido postada havia sido hackeada. Segundo Petro Andryushchenko, assessor presidencial da Câmara de Mariupol, dizia que a informação, segundo a qual metade dos membros da brigada estava ferida, era falsa. O comandante-chefe militar da Ucrânia, general Valeriy Zaluzhnyi, garantiu que militares ucranianos em Mariupol ainda resistiam aos avanços russos.
- Estamos fazendo o possível e o impossível pela vitória e a preservação das vidas dos combatentes e civis em todas as direções - disse.
Os dois episódios me lembram o colega José Hamilton Ribeiro, que afirmou diversas vezes mas eternizou a frase no livro "O gosto da guerra": "Guerra é ruim, mas sem a presença de jornalistas é pior". Continuo acreditando nisso. Sem jornalistas - e pelo menos cinco morreram e mais sete colegas ficaram feridos no atual conflito -, o ser humano revela toda a sua fúria. Mas, infelizmente, não há como comprovar quem está certo nos episódios em que aqui tratei. É parte da névoa da guerra, que também aflige os estrategistas militares e os pensadores das Relações Internacionais. Mas seguiremos tentando, prometo.