A eleição na França, neste domingo (24), é a primeira disputa presidencial no continente assombrado pela guerra na Ucrânia. O país líder político e segunda maior economia da União Europeia (UE) sente os impactos do conflito, que invadiu a agenda de campanha dos candidatos, pautou discursos agressivos nas últimas semanas e, embora a perda de poder aquisitivo ainda seja a principal preocupação do eleitor, o debate entre ser pró ou contra Vladimir Putin pode acabar definindo o voto de um eleitor mais indeciso.
A guerra na Ucrânia testa a unidade europeia, provoca uma onda de refugiados e conduz o continente a uma corrida armamentista não vista desde os tempos da Guerra Fria. Cada um desses temas geopolíticos divide o centrista Emmanuel Macron e a rival de extrema-direita Marine Le Pen: o atual presidente se coloca como defensor e porta-voz de uma Europa unida, como uma frente democrática ocidental para deter os interesses russos e arroubos autoritários e desvios, como do regime "iliberal" de Viktor Orbán, na Hungria; a desafiante já não fala em "Frexit" (a saída da França da UE), mas quer formar uma coalizão de governos para contestar o poder que considera excessivo de Bruxelas sobre os interesses nacionais. Macron é mais condescendente com os migrantes, mas suas declarações em uma entrevista recente prejudicaram sua imagem de bom moço. Ele afirmou que era a favor da migração legal baseada em cotas para trabalhadores ilegais, acrescentando que preferia ter migrantes da Guiné ou Costa do Marfim que trabalhavam de maneira legal do que "redes clandestinas de búlgaros e ucranianos". Quase nada perto da xenofobia de Le Pen, que já falou em expulsão ou de fechar fronteiras. Sobre a Europa rearmada frente à Rússia, Macron defende união, com a França, único país da UE com armas nucleares, liderando o processo. Le Pen quer retirar o país do comando integrado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e renegociar as relações com os Estados Unidos de Joe Biden, enfraquecendo o laço transatlântico que o Kremlin tanto detesta.
Mas nenhum reflexo da guerra na Ucrânia demarca tanto o abismo entre Macron e Le Pen quanto a relação com Vladimir Putin. O tema gerou o bate-boca mais contundente do debate entre os dois na TV, o único do segundo turno, na quarta-feira (20).
- Você depende do poder russo e do senhor Putin (...) Você fala de seu banqueiro quando fala da Rússia - disse Macron a sua rival.
- Isto não é certo e é bastante desonesto - respondeu Le Pen.
Mas o fato é que a ligação existe. Em 2014, seu partido contraiu um empréstimo de 9 milhões de euros - que ainda está sendo pago - de um banco russo, porque nenhum banco francês quis concedê-lo.
Horas antes do debate, tanto o opositor russo Alexei Navalny, que está preso em seu país, como o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, criticaram a relação entre Le Pen e Putin. O ucraniano exigiu que Le Pen admitisse que "se equivocou", algo que ela não fez.
Dificilmente Le Pen ganhará neste domingo. As pesquisas mostram entre uma vitória de Macron por margem menor a de 2017, quando os dois também duelaram no segundo turno, mas ainda assim contundente: ele deve conquistar entre 53% e 55,5% dos votos e Le Pen entre 44,5% e 47% dos votos.
Se o plano de Le Pen para a Europa seria um presente para Putin, porque enfraqueceria o continente, a pose de estadista de Macron é exatamente o que afasta da França profunda, onde sua imagem é a de um presidente "dos ricos". De acordo com as pesquisas Ipsos/Sopra Steria, Le Pen é considerada como a que melhor entende os problemas do povo, enquanto Macron tem uma melhor imagem internacional. Mas, para 50% dos franceses entrevistados, ambos são "autoritários demais".