A mudança na sede da Copa América 2021, de Colômbia e Argentina para o Brasil, acende um alerta sobre a viabilidade da realização dos Jogos Olímpicos em Tóquio, daqui menos de dois meses. A situação do coronavírus no país asiático está bem menos pior do que na América do Sul em termos de transmissão, mas, em termos de imunização contra a covid-19, o Japão está bem atrás de Colômbia, Argentina e Brasil.
Nas últimas semanas, o Japão, que se tornou modelo de contenção e rastreamento do vírus na primeira onda, em 2020, reintroduziu as medidas de emergência após o início de uma quarta onda. O país registrou índice recorde de pacientes com covid-19 em estado crítico nos últimos dias, mesmo com o número de novas infecções diminuindo - Tóquio relatou 614 novos casos na sexta-feira (28).
A prefeitura de Chiba, que fica a leste de Tóquio, se tornou a última a alterar os planos para o revezamento da tocha olímpica - o evento sairia das ruas e seria transformado em ^cerimônia de acendimento de tochas". O revezamento começou em Fukushima, em 25 de março, mas tem enfrentado vários cancelamentos e alterações de planos. No final de semana, os EUA pediram a seus cidadãos que não viajem ao Japão.
A Olimpíada de Tóquio está programada para começar em 23 de julho - o novo estado de emergência vigora até um mês antes. E há cada vez mais pedidos de médicos e comunidades para que o evento seja cancelado ou adiado novamente - já o foi no ano passado.
Se olharmos os números da vacinação, proporcionalmente ao tamanho das populações, o Japão está muito mais lento em termos de imunização do que Colômbia e Argentina, sedes da Copa América originalmente, e também abaixo do Brasil.
O país aplica apenas 9,76 doses para cem habitantes. Colômbia, administra 18,99 doses para cem habitantes. Argentina, 26,82 doses para cem habitantes. E Brasil, 31,56 doses para cem habitantes. Os dados são do monitor da Universidade de Oxford, utilizado pela coluna.
Se olharmos a população completamente imunizada - ou seja, com duas doses no caso dos países que administram vacinas que exigem ambos os procedimentos (o Japão aplica apenas a Pfizer, que é dose única), a diferença também é significativa. No Japão, apenas 2,55% da população de 126 milhões de habitantes está completamente imunizada. Na Colômbia, esse índice é de 6,41%; na Argentina, de 6,1% e, no Brasil, de 10,35%.
Não é por acaso que 80% dos japoneses são contra a realização dos Jogos Olímpicos.
Mas por que o Japão, um dos países mais disciplinados e ricos do mundo, vacina tão pouco. A coluna já abordou o tema aqui e aqui.
Em resumo, o governo do primeiro-ministro Yoshihide Suga perdeu o timing. Os órgãos reguladores, a Anvisa deles, foram muito lentos para aprovar o uso dos imunizantes. O governo diz que foi cauteloso de propósito. Desde o início, a vacina escolhida foi a da Pfizer/BioNTech, mas, enquanto em países como Reino Unido aprovou seu uso em 8 de dezembro e os EUA em 11 daquele mês, o Japão só veio semanas depois, em 14 de fevereiro.
O Japão tem um histórico de rejeição a vacinas - isso faz com que o país ocupe o último lugar no G-7 em termos de imunização. A resistência se deve a casos que remontam aos anos 1970 e 1980. No primeiro caso, duas crianças morreram após receberem a vacina contra difteria, tétano e coqueluche. O produto foi temporariamete suspenso, mas os problemas causaram uma mancha indelével na confiança da população nos imunizantes. Por anos, as taxas de vacinação infantil caíram, levando a aumento dos casos.
No final da década de 1980, houve outro problema, com a introdução da vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. Os primeiros casos foram associados à meningite asséptica.
Esses dois escândalos levaram a uma lacuna de vacinação - ou seja, nenhuma vacina foi aprovada no país por 15 anos. Em 2013, o Japão adicionou a vacina contra o HPV ao calendário nacional, mas uma série de vídeos sobre reações adversas começaram a circular no YouTube levaram o governo a retirá-los da programação nacional. Investigação não apontou relação entre o imunizante e os efeitos colaterais, mas o revés cultural continua.