Embora o noticiário internacional tenha sido tomado, nas últimas duas semanas, pela crise entre israelenses e palestinos, a revolta na Colômbia não parou.
Ao contrário, ficou ainda mais acirrada a ponto de a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) decidir retirar a Copa América do país e realizar a competição, prevista para começar em 13 de junho, apenas na Argentina. Os sinais de que a situação se agravava vieram das ruas, com cartazes e pichações que chamavam o evento de "Copa de sangue" e proclamavam "Se não há paz, não há futebol". Mas os alertas também soaram nos estádios, como na partida entre o América de Cali e o Atlético-MG, em Barranquilla, pela Libertadores, que precisou ser interrompida cinco vezes devido aos distúrbios sociais. A coluna explica a situação.
Por que os protestos começaram?
O estopim foi um projeto de reforma do governo do presidente Iván Duque que elevava os impostos. Mas, a exemplo de outros países latino-americanos que viveram recentemente grandes protestos, como o Chile, esse é apenas o motivo inicial. Logo, os manifestantes se reúnem em torno de causas mais profundas, que têm como pano de fundo a desigualdade social. Reivindicam emprego, educação, reforma policial e melhores condições de vida para aposentados e povos indígenas.
Há algo a ver com a pandemia?
Sim. O coronavírus aprofundou as dificuldades econômicas. A pobreza, que em 2019, atingia 35,7% da população, aumentou para 42% em 2020. Quase um terço das pessoas entre 14 e 28 anos não estuda nem trabalha. Cerca de 17 milhões de pessoas vivem em situação de vulnerabilidade alimentar. Devido à pandemia, 500 mil médias e pequenas empresas fecharam as portas. A vacinação, como em toda a América Latina, com exceção de Chile e Uruguai, é lenta.
Por que a violência?
As manifestações, que no princípio eram pacíficas, foram ficando mais tensas depois que a polícia respondeu com violência. O saldo de três semanas de protestos é de 42 mortos e 1,7 mil feridos. Algumas estradas estão bloqueadas, o que dificulta o abastecimento de comida e combustível. Houve abusos das forças de segurança, que levaram Estados Unidos, União Europeia (UE) e Organização das Nações Unidas (ONU) a protestar. Uma das reivindicações dos manifestantes é a desvinculação da polícia do guarda-chuva do Ministério da Defesa, algo que remete aos tempos de guerra civil entre o governo e as guerrilhas de esquerda, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Exército de Libertação Nacional (ELN), e contra o narcotráfico.
Como o governo está reagindo?
O presidente Iván Duque, que está no meio do mandato, tem baixa popularidade. Diante da pressão das ruas, retirou o projeto de elevação de impostos do Congresso, prometendo reescrevê-lo em novos termos para reapresentá-lo. Também admitiu os abusos policiais. E prometeu universidade gratuita e créditos para moradias. Mesmo assim, os protestos não param.
E o processo de paz com as Farc?
Durante 40 anos, a Colômbia viveu uma guerra civil entre o governo, as guerrilhas e o narcotráfico. Foram tempos de terrorismo, com explosões de carros-bomba em grandes cidades como Medellín, Bogotá e Cali, por obra dos cartéis. Na selva, militares e guerrilheiros se enfrentavam em um conflito que dividiu a sociedade. No auge, as Farc chegaram a dominar uma área de 42 mil quilômetros quadrados - um Estado dentro do Estado. A guerra com o grupo guerrilheiro chegou ao fim em 2016, graças a um acordo de paz histórico assinado pelo presidente Juan Manuel Santos. Pelo tratado, os combatentes depuseram as armas em troca de medidas como reinserção na sociedade e na vida política - hoje, as Farc são um partido legalizado. Embora a violência e os homicídios tenham diminuído de modo contundente, isso foi visto pela direita mais tradicional como uma concessão inaceitável. Passados cinco anos, muitos setores não concordam com o acordo, considerando a anistia a guerrilheiros algo injusto. O próprio presidente Iván Duque se elegeu em 2018 com críticas ao tratado de paz e tem feito bastante durante o mandato para neutralizar os termos do acordo. Ele acusa grupos dissidentes das Farc de estarem por trás da violência nas manifestações, com o objetivo, supostamente, de desestabilizar o país