Crianças costumam ser as vítimas mais expostas à guerra, a fenômenos naturais e a catástrofes humanitárias. Mas, diante da anestesia nossa de cada dia, em boa parte devido à enxurrada de imagens que pululam nossas redes sociais, é preciso que exatamente esses seres inocentes nos sacudam - ainda que também por fotografias de seus dramas -, nos retirem da inércia, nos desacomodem.
Foi assim com imagens que resumiram tragédias recentes: Aylan, morto em uma praia turca durante a onda de refugiados na Europa; Omran, ferido em Aleppo; Samar, que com 34 dias não tinha forças nem para chorar em Damasco.
O mais novo rosto do drama de refugiados é um bebê resgatado pela Guarda Civil espanhola quando estava prestes a se afogar na praia de Tarajal, em Ceuta. A criança de dois meses estava com o pai, que também lutava para sobreviver.
Juan Francisco, membro do grupo especial de atividades submarinas da Guarda Civil, se atirou ao mar para salvá-los. A foto do bebê, seguro nas mãos do oficial, foi postada nas redes sociais da corporação e ganhou o mundo.
- Ele estava gelado, com frio e não se movia - contou Juan Francisco à imprensa espanhola.
O bebê sobreviveu e passa bem. A coluna ainda não conseguiu identificar a situação dos pais.
Em dois dias, mais de 8 mil imigrantes saídos do Marrocos chegaram nadando ou em frágeis embarcações às praias de Ceuta. Entre eles, há 1,5 mil menores.
Muitos adultos foram repatriados - a Espanha não concede asilo a cidadãos marroquinos que chegam dessa forma, clandestinos, ao território. Apenas permite que crianças migrantes não acompanhadas permaneçam legalmente no país sob supervisão do governo.
Para entender: Ceuta, junto com Melilla, é um enclave espanhol no Marrocos. Ou seja, pertence à Espanha, mesmo estando do outro lado do Mar Mediterrâneo, na África.
Com 18 quilômetros quadrados, Ceuta desemboca no Estreito de Gibraltar, que separa os dois continentes. Com Melilla, o território foi conquistado pelos reis católicos espanhóis a partir do fim do século 15. Por décadas, o Marrocos reivindica os territórios, que são também alvos do desejo de muitos migrantes marroquinos, uma vez que as fronteiras são separadas apenas por cercas de arame farpado. Alguns tentam passar por terra para os territórios europeus. Outros, chegam pelo mar.
Diante da atual crise migratória, a Espanha decidiu reforçar a segurança em Ceuta, enviando o exército para apoiar a Guarda Civil.
Trata-se também de um problema diplomático entre União Europeia (da qual a Espanha é membro) e o Marrocos. Recentemente, a Espanha provocou um mal-estar com o governo marroquino ao prestar atendimento médico ao líder independentista do Saara Ocidental Brahim Ghali. O Marrocos reivindica soberania sobre esse território vizinho ao seu, à Oeste.
Por causa da crise, suspeita-se de que o Marrocos tenha feito "vista grossa" ao fluxo de migrantes que deixava seu país rumo a Ceuta.