Clima e direitos humanos eram palavras estranhas ao vocabulário da atual cúpula de política externa brasileira até pouco tempo atrás. Não obstante, elas têm se tornado frequentes nos discursos do Planalto e do Itamaraty quando se referem às relações com o novo governo dos Estados Unidos.
O compromisso com o ambiente já havia aparecido com destaque na carta que o presidente Jair Bolsonaro enviou a Joe Biden no dia da posse do democrata, em 20 de janeiro. Agora, ao lado de "direitos humanos", o tema volta no resumo que o chanceler Ernesto Araújo fez em uma rede social ao comentar a conversa por telefone, na quinta-feira (11), com o novo secretário de Estado americano, Antony Blinken, por telefone.
Não custa lembrar que proteção ao ambiente, garantia dos direitos humanos e o "politicamente correto" eram premissas classificadas como globalistas, que Bolsonaro, Araújo e os demais formadores da política externa brasileira, inspirada por Olavo de Carvalho, tentaram exorcizar da cartilha da Casa de Rio Branco em dois anos de mandato.
Mas Donald Trump perdeu, a Casa Branca tem novo inquilino e é preciso dançar conforme a música. Aliás, "dançar conforme a música", em linguagem diplomática, significa o velho e bom pragmatismo em nome dos interesses nacionais, característica que havia sido abandonada.
A primeira conversa entre dois altos funcionários dos governos de EUA e Brasil só ocorreu 22 dias depois da carta de Bolsonaro - os presidentes ainda não dialogaram. A chancelaria brasileira só entrou na agenda de Blinken depois de ele ter falado com 40 outros líderes mundiais. O Brasil foi, por exemplo, o último entre os Brics, grupo que reúne ainda Rússia, China e África do Sul.
Pode ser agenda, claro. Assuntos de América Latina foram reservados a esta semana. Mas em parte ser o último da lista é o preço a pagar pela demora excessiva brasileira em reconhecer a vitória de Biden.
Já havia certo estranhamento no ar: o Itamaraty solicitava uma abertura de canal com Biden. O estreitamento do contato contou com o empenho do embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, e do representante brasileiro em Washington, Nestor Forster Jr.
O círculo próximo a Biden conta com personalidades críticas a Bolsonaro, que pressionam pelo endurecimento do trato com o Brasil principalmente com relação à proteção da floresta Amazônica. Há duas semanas, um grupo de pesquisadores brasileiros de renomadas universidades americanas, como Harvard e Columbia, e diretores de ONGs internacionais fez chegar a Biden um denso dossiê com recomendações sobre o Brasil. Entre as sugestões estava a restrição a importações de madeira, soja e carne brasileiras, caso o Planalto não se comprometa com políticas ambientais.
O documento vem sendo tratado como realmente é: uma iniciativa da sociedade civil, sem caráter oficial. Porém, o acesso dos pesquisadores ao Salão Oval, por meio de interlocutores no Partido Democrata, mostrou ao governo brasileiro a necessidade de se fazer ouvir em Washington a fim de desfazer a imagem construída durante o governo Trump, em que os dois lados mantinham uma aliança ideológica - rejeição ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e críticas a iniciativas multilaterais regidas por organismos internacionais, como direitos humanos.
Em conversas reservadas, autoridades americanas têm salientado a "parceria profunda" entre os dois países. Na nota oficial, enviada pelo Departamento de Estado dos EUA após a conversa entre Blinken e Araújo, as palavras "mudanças climáticas" e "conservação ambiental" aparecem duas vezes em quatro frases - o que por si só já revelam que o caminho para a boa relação entre Bolsonaro e Biden passa pela Amazônia.
Por enquanto, a ordem é para apostar em plano colaborativo para a proteção da floresta, antes de qualquer punição ao Brasil.
A mudança de tom do governo brasileiro tem sido bem-vista em Washington. Na conversa com Araújo, Blinken aproveitou para convidar Bolsonaro a participar da cúpula sobre mudanças climáticas que Biden deve organizar em 22 de abril, Dia da Terra. Em razão da pandemia, deve ser um encontro virtual. A presença de Bolsonaro - sem enviar emissários - vai ditar os rumos da relação entre os dois países daqui para frente.