Durante pouco mais de dois anos, as suspeitas sobre a suposta influência russa na eleição de 2016 assombraram o Salão Oval e os corredores da ala oeste da Casa Branca. O fantasma não foi completamente exorcizado, mas os rituais começaram no fim de semana, a ponto de a rede CNN ter declarado ontem que o governo Donald Trump entrou em uma nova era.
O relatório do promotor especial Robert Mueller, que concluiu não haver evidências de que o bilionário tenha agido em conluio com Kremlin para vencer Hillary Clinton, não apenas deposita uma pá de cal nos planos democratas de iniciar um processo de impeachment contra Trump como turbina a campanha do presidente rumo à reeleição em 2020. Trump tem a faca e o queijo na mão para descer do palanque e entrar em campo cheio de moral: colocar sua tropa de choque a funcionar no Capitólio e fazer passar suas demandas, entre elas a mais difícil de aprovar, o muro na fronteira com o México.
Após 22 meses de exaustiva investigação, concluiu-se que Trump e seus assessores não participaram dos esforços russos para interferir na campanha. Não significa que a Rússia não tenha tentado influenciar – como se sabe, há suspeitas não apenas de ação do Kremlin no pleito americano, mas também francês, alemão e no Brexit britânico. Mas, se a Rússia de fato agiu, foi, ao menos em tese, sem o conhecimento da campanha de Trump.
A vitória na eleição de meio de mandato, em novembro de 2018, em que os democratas conquistaram o controle da Câmara, deu algum gás para que a oposição ensaiasse voltar ao ringue. Mas a conclusão da investigação de Mueller, agora, pegou muitos de surpresa. Foi um banho de água fria no momento em que os democratas se reorganizavam, depois de dois anos de feridas abertas desde a derrocada de Hillary. Em julho, devem começar a surgir os primeiros nomes de pré-candidatos ao pleito do ano que vem: na oposição, Hillary volta a ser ventilada, e Bernie Sanders, na ala mais esquerdista da legenda, aparece praticamente certo. Se Trump confirmar candidatura – o que deve acontecer – dificilmente surgirá outro postulante interno para rivalizar entre os republicanos.
O Russiagate pode até ter existido, mas não nos patamares que se imaginava, o que já leva a imprensa americana a uma reflexão se não teria embarcado na tese da oposição. O equívoco, se confirmado, seria semelhante ao ocorrido durante o processo de convencimento da opinião pública pelo governo George W. Bush de que o Iraque de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. A mídia dos EUA foi, no mínimo, pouco crítica naqueles dias e o resultado se viu do outro lado do mundo – um país invadido, o tirano derrubado, o atoleiro e, até hoje, não há sinais do arsenal.