Embora Jair Bolsonaro tenha se gabado, ao lado de Donald Trump, de ser supostamente o primeiro presidente brasileiro não antiamericano em décadas, a política externa do Planalto nunca se posicionou contrária aos Estados Unidos. Mesmo em momentos mais críticos, como durante o governo João Goulart, não houve rompimentos nem posições claras antiamericanas. A história das relações entre os dois países é feita de aproximações e distanciamentos. Veja alguns:
Juscelino Kubitschek
Ainda que aprofundada por Jânio Quadros e Jango, a política externa independente já tinha suas origens em JK. Sua visão não era antiamericana, mas ele entendia que a Guerra Fria (prioridade dos EUA) não poderia ser seguida por países em desenvolvimento, que tinham como prioridade vencer o subdesenvolvimento. O Brasil tinha um alinhamento político e militar com Washington.
Jânio Quadros e Jango
Auge da política externa independente. Autonomia nacional, com divergências políticas e ideológicas com os Estados Unidos. Os EUA apoiam o golpe militar que derruba João Goulart do poder. Foi um dos momentos de maior distanciamento entre os dois países na história das relações EUA-Brasil.
Castelo Branco
No início da ditadura militar, o governo Castelo Branco (1964-1967) protagonizou um momento muito parecido com o atual, interrompendo a política externa independente de Jânio Quadros e João Goulart, e aproximando o país dos EUA. O discurso era de combate ao comunismo e defesa de valores ocidentais, cristãos e família. Foi um momento de aproximação máxima com os EUA e abertura ao capital internacional. O Brasil cortou relações com Cuba e, um ano depois, enviou tropas para a República Dominicana, em uma força-tarefa da OEA liderada pelos EUA.
Costa e Silva e Geisel
Costa e Silva começou uma reversão na política externa, aprofundada posteriormente por Geisel. O Brasil afastou-se dos EUA a partir de 1969, apoiando movimento terceiro-mundista, priorizando a divisão Norte-Sul (ricos x pobres) em vez do alinhamento automático com os EUA na briga ideológica Leste-Oeste da Guerra Fria. Foi uma diplomacia de interesse nacional, independência e pragmatismo. Optou por uma posição mais multilateral. Houve duros e longos conflitos comerciais com os EUA. Em 1977, houve o rompimento do acordo militar bilateral de 25 anos com os americanos. O Brasil fechou acordo de cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental. No governo Jimmy Carter, começam as pressões por respeito aos direitos humanos no Brasil e América Latina.
Figueiredo
Com a aproximação do fim da ditadura, Figueiredo implementa uma diplomacia do universalismo, com autonomia. A prioridade brasileira começa a ser a América Latina, sobretudo o Cone Sul.
A democratização interna coincidiu com a transformação profunda da ordem mundial pós-1989 e a intensificação dos processos de globalização da economia. Do ponto de vista econômico, o país enfrentava, no começo dos anos 1990, uma grave crise financeira. O país viveu o desafio de abertura de seu mercado para o comércio internacional (negociações do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), neoprotecionismo e blocos regionais).
Fernando Collor e Itamar Franco
A política externa sob Collor de Mello baseou-se na associação entre "a fuga da periferia" e a aceitação sem contrapartida e onda neoliberal. O Brasil abriu seu mercado. Foi um dos pontos de maior aproximação com os EUA desde Castelo Branco. Por outro lado, a política externa sob Itamar Franco tentou revalorizar a dimensão nacional e a soberania nas negociações internacionais, sustentando, ao mesmo tempo, o respeito das instituições multilaterais.
Do ponto de vista político, as relações Brasil e Estados Unidos foram marcadas pela crescente tensão entre bilateralismo e multilateralismo. O surgimento dos espaços de integração (Mercado Comum do Sul, Mercosul, em 1991, e Tratado Norte-americano de Livre Comércio — Nafta, em 1994), as negociações em torno da integração hemisférica (Área de Livre Comércio das Américas — Alca) e as disputas no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC) são exemplos de negociações multilaterais que redimensionaram as relações econômicas, comerciais e políticas entre os dois países. Durante seus dois mandatos, o presidente FHC (1995-2002) procurou dar prioridade às relações com os Estados Unidos e a Europa Ocidental, porém na base da "reciprocidade moderada" e da cooperação bilateral.
A noção de autonomia política e inserção soberana do Brasil no cenário internacional nortearam a PEB durante os anos do governo Lula, particularmente em seu segundo mandato. No início de 2000, o governo do PT manteve uma aliança ou o alinhamento com os Estados Unidos na esperança de obter vantagens econômicas ou políticas na tentativa de construir caminhos autônomos de diversificação econômica e mundialização dos esforços diplomáticos. Houve reforço de iniciativas de integração regional (Mercosul) e priorização das relações Sul-Sul (com nações em desenvolvimento e Brics). Na prática comercial, o Brasil se confrontou com resistências que produziram inúmeros focos de atrito entre os dois governos — a integração das Américas, a presença da Venezuela e da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) na América do Sul, o papel do Estado no modelo brasileiro de desenvolvimento econômico. Barack Obama chegou a chamar Lula de "o cara". Em 2012, o presidente americano diminuiu entraves para a entrada de turistas brasileiros e chineses nos Estados Unidos.
Embora não se possa caracterizar como um governo antiamericano, as denúncias de espionagem da presidente azedaram as relações entre o Planalto e o governo Obama. A brasileira chegou a cancelar uma visita a Washington por conta do escândalo. Em 2015, dois anos depois das divergências, Obama e Dilma se encontraram. O americano disse que não via o Brasil como potência regional, mas global.
Envolvido em questões internas após o impeachment e com as investigações da Lava-Jato, não houve grandes passos nas relações com os EUA.