Se você não estava em Marte ou em Pyongyang, certamente deve ter visto Donald Trump e Kim Jong-un apertarem as mãos na última terça-feira, 12 de junho. Com o fuso horário favorável em relação a Singapura, nós, brasileiros, assistimos à cena histórica quando ainda era noite de segunda-feira, 11, por aqui.
Pois na Coreia do Norte, boa parte da população, com restrições a outros meios de comunicação, como internet, só viu as primeiras fotos e vídeos de seu sorridente líder supremo de boas com o até então “maldito imperialista” pela TV estatal na quinta-feira, 14. Dois dias depois! Mesmo assim, a imagem do aperto de mãos, ato número 1 do show de Kim e Trump, só foi assistido aos 20 minutos de programa, que teve 42 minutos no total.
Não surpreende que, antes de ir ao ar, a cena tenha sido milimetricamente pensada para Kim aparecer como grandioso. Com devido cuidado de só ser divulgada depois que o ditador já estivesse de volta, seguro em seu palácio. Catequizado desde a infância a cultivar o ódio e a desconfiança em relação ao Ocidente, o povo norte-coreano, pela mente do regime, certamente levaria algum tempo e precisaria de, no mínimo, 20 minutos, para se acostumar à ideia de ver seu comandante lado a lado com a “encarnação do mal”.
Assisti à transmissão ao vivo zapeando por emissoras ocidentais. Vi Kim se inclinar antes em direção a Trump, que tocou no braço do norte-coreano primeiro. Para a TV estatal comunista, foi o americano que reverenciou antes. Mas não chego ao nível de teorias de conspiração de achar que as câmeras de CNN, MSNBC, e até da republicana Fox News tenham sido posicionadas na Ilha de Sentosa para favorecer Trump. Até por já ter coberto alguns desses momentos, sei que grandes agências de notícias têm reservados seus espaços. Mas, normalmente, na hora H, quando os líderes aparecem, é um salve-se quem puder.
Mas também não sou ingênuo de acreditar que a Casa Branca não direcionou o encontro para Trump aparecer como o protagonista. Ainda que EUA e Coreia do Norte tenham recuado – felizmente – da ideia de ir às armas, com proporções nucleares, não significa que a guerra da informação não esteja em curso. Afinal, o que era o tal vídeo que Trump mostrou a Kim no tablet senão propaganda?
“Dois homens, dois líderes, um destino”, diz a voz do narrador. Enquanto a trilha sonora épica toca ao fundo, imagens de crianças coreanas felizes se intercalam com cenas de aviões de combate, mostrando dois futuros possíveis: um em que a Coreia colabora (o grandioso “final feliz”) e outra em que Kim recua, com o previsível “fogo e fúria”. “Um novo mundo pode começar hoje, um de amizade, respeito e boa vontade”, diz a voz. A grande frase de efeito vem na sequência: “O passado não precisa ser o futuro”. Não sei se uma lágrima escorreu pelo rosto de Kim. Também não vi o letreiro “Trump” no alto de algum arranha-céu na Pyongyang imaginada pelos diretores. Mas não tenho dúvidas de que, em suas próprias narrativas, Kim e Trump foram heróis de si próprios.