São vagos até agora os compromissos assinados entre Donald Trump e Kim Jong-un no encontro em Singapura. Há um clima de otimismo no ar, a abertura do diálogo não tem precedentes, mas o retrospecto das relações entre Estados Unidos e Coreia do Norte carrega uma boa dose de ceticismo.
Se analisarmos apenas as declarações, os dois presidentes já tiveram idas e vindas algumas vezes nos últimos meses. Há apenas duas semanas, Trump havia cancelado o encontro desta terça-feira (segunda-feira pelo horário de Brasília), para depois recuar e confirmá-lo. O governo norte-coreano tem um histórico de ameaçar com mísseis e bravatas nucleares, chantageando a comunidade internacional, para, na sequência angariar dinheiro ocidental e o alívio das sanções. Na letra fria do documento assinado em Singapura diante das câmeras, o que temos até agora são quatro compromissos:
1 - EUA e Coreia do Norte se comprometem em estabelecer novas relações, conforme desejo do povo dos dois países em perseguir paz e prosperidade.
Apesar das boas intenções aparente, o texto não estabelece, por enquanto, passos concretos rumo à desnuclearização. Um dos assuntos principais – a destruição de um local de testes de mísseis atômicos – ficou apenas no "acordo de boca" entre os dois. Teria sido acertado, segundo Trump, depois da assinatura do documento.
Não há nada escrito referente aos frequentes exercícios militares de EUA e Coreia do Sul, realizados na região próxima da Península Coreana, algo que incomoda profundamente o regime norte-coreano e, em alguns momentos, quase levou a região a um conflito nos últimos anos. Mais uma vez, ficou apenas na intenção. Trump disse que essas manobras são "tremendamente caras" e que criam "uma situação muito provocadora".
2 - EUA e Coreia do Norte empreenderão esforços para criar uma paz estável e duradoura na Península Coreana.
Também é uma declaração vaga. Trump afirmou que as relações a partir de agora vão ser "muito diferentes" do que no passado. Também disse que desenvolvera um "laço muito especial com Kim" e que "definitivamente" o convidaria a visitá-lo na Casa Branca. O líder norte-coreano, por sua vez, declarou que "o mundo verá grandes mudanças" e que tanto ele quanto Trump haviam decidido "deixar o passado para trás".
No entanto, nada foi escrito sobre as sanções econômicas contra a Coreia do Norte, que permanecem inalteradas até que sejam tomados passos concretos rumo à desnuclearização. Também não foi divulgada data para a visita de Kim aos EUA, algo que pode começar a ser tratado em uma próxima reunião, na semana que vem, entre delegados de escalões inferiores.
3 - A Coreia do Norte se compromete a trabalhar no sentido de alcançar a total desnuclearização da Península Coreana.
O americano disse que o processo de desnuclearização começaria "muito, muito rápido". Porém, não foram definidas datas, cronograma ou plano para o desarmamento. Não é um processo rápido – alguns especialistas falam em cinco outros em 10 anos dados impeditivos científicos e mecânicos. Não se sabe até onde Kim está disposto a ir em seu processo de desnuclearização. Ficaram de fora do texto três expressões que a Casa Branca vinha utilizando nos últimos dias como requisito para a paz: que a Coreia do Norte se desfaça das armas nucleares de maneira "completa, verificável e irreversível".
4 - EUA e Coreia do Norte se comprometem a recuperar prisioneiros de guerra e soldados desaparecidos, incluindo a repatriação daqueles já identificados.
Esta é a parte mais fácil e que poderia ser o início de um degelo. Daria sinal ao mundo de que os dois realmente tirarão as intenções do papel para a prática. Trump afirmou que irá repatriar os restos mortais de soldados desaparecidos ou feitos prisioneiros durante a Guerra da Coreia. No entanto, também ficou de fora do documento a intenção da assinatura de um acordo de paz definitivo entre as duas Coreias. Os países continuam tecnicamente em guerra já que o conflito, entre 1950 e 1953, foi encerrado com um armistício – e não uma declaração de paz.