Donald Trump é verborrágico, algumas vezes machista, destruiu pontes com o Irã, com Cuba, rasgou o acordo de Paris sobre mudanças climáticas e, no fim de semana, estragou o jantar do G7, o grupo de países mais ricos do mundo. Kim Jong-un é um dos mais cruéis ditadores da atualidade, dinossauro herdeiro da Guerra Fria, que mantém dezenas de opositores em prisões e reina sobre uma população que passa fome, enquanto aproveita as regalias de seu castelo capitalista na comunista Pyongyang. Mas fizeram história e, ainda que possamos não concordar com suas ações ao longo dos últimos anos, Trump e Kim deram passos inéditos, importantes e elogiáveis neste 12 de junho de 2018, noite de 11 de junho no Brasil.
Trump à direita. Kim à esquerda. O norte-coreano sorrindo logo no início, o que é raro. O americano sério no começo, depois mostrando os dentes. Ao fundo, o som da Ilha de Sentosa, em Singapura, era dos cliques dos fotógrafos diante do hall do hotel Capella. O presidente americano foi o grande mestre de cerimônias, tocou no braço direito do ditador comunista logo de cara. Em seguida, o conduziu até o espaço ao lado das escadas, a caminho da sala. Nos poucos passos que deram lado a lado, houve descontração, em uma diálogo que não conhecemos até agora. Nem os intérpretes que estavam atrás talvez tenham ouvido o balbuciar dos lábios.
No tête a tête, Trump, acostumado à imprensa, ex-apresentador de TV, tomou a iniciativa. Disse que não foi fácil chegar até ali, que o passado marcou as práticas dos dois países, mas que os obstáculos já estavam superados. Kim, com o corpo projetado em direção ao colega, em uma demonstração de interesse (e até admiração) sorria. E sorria muito mais do que havíamos visto até hoje em fotos e imagens de vídeo.
Kim é um admirador do American Way of Life, embora nunca vá admitir. Como líder do regime mais fechado do mundo, ele saiu-se muito bem diante das câmeras. O pequeno homem-foguete deu show de simpatia.
Trump está dando a cartada mais alta de sua política externa — iniciativa que pode ser comparada à viagem de Richard Nixon à China de Mao Tsé-Tung, em 1971. O fato fora da curva, aquilo que nenhum outro presidente havia feito. O evento à época era tão inesperado que cunhou uma expressão que entraria para o léxico da política americana: "Nixon goes to China". Pode-se dizer que neste 2018, Trump goes to Korea (com o perdão do trocadilho e do verdadeiro local da cúpula). O fato de 1971 não deu a Nixon o Nobel da Paz — ganhou o seu chefe da diplomacia Henry Kissinger, em 1973 — e todos sabemos como seu governo acabou. Mas aquele fato inédito foi fundamental para uma sensível aproximação no auge da Guerra Fria.
Houve outros momentos como este: em 1986, Ronald Reagan se encontrou com Mikhail Gorbachev em Reiquevique, Islândia. As negociações falharam no último minuto, mas o progresso alcançado até então eventualmente resultou no Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário no ano seguinte, entre EUA e URSS. A Cortina de Ferro cairia depois dali. Em 2016, Barack Obama se encontrou com Raúl Castro no Palácio da Revolução, em Havana. Era a comemoração da retomada das negociações, que hoje estão estagnadas pelo próprio Trump que aperta a mão de outro comunista no Extremo Oriente.
Em geral, nesses encontros de cúpula, a fotografia é o último ato da reunião, depois que tudo está acertado após horas de negociações antecipadas por diplomatas. Trump e Kim colocaram a carreta na frente dos bois, como se diz aqui no sul do Brasil. Selaram o aperto de mãos antes da conversa. Mas, pelos primeiros sinais do documento assinado, pode não ter sido apenas um jogo de cena. O planeta de terça-feira (12), após a cúpula de Singapura, acorda melhor do que aquele no qual fomos dormir nesta segunda-feira (11).