Ao cancelar o acordo nuclear com o Irã, Donald Trump rasga o último dos acordos históricos selados pela administração de Barack Obama. O primeiro fora a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris contra as mudanças climáticas. Depois, o cancelamento da aproximação com Cuba. Agora, não só a suspensão dos acertos com o Irã como o recrudescimento das sanções econômicas, que, sabemos, só pune a população, enquanto perpetua no poder a ditadura teocrática iraniana.
O governo americano age sem provas de que os aiatolás estão, de fato, violando o acordo que previa o congelamento de seu programa nuclear. Aliás, pela segunda vez a Casa Branca trumpiana lança mão de um ato de extremo risco geopolítico sem mostrar ao mundo evidências de que o suposto inimigo não respeitou acordos. Recentemente atacou a Síria sem comprovar que Bashar al-Assad possuía armas químicas. Infelizmente, a narrativa está construída para, daqui a alguns meses, os Estados Unidos dizerem que o Irã continua produzindo armas de destruição em massa e que não há alternativas senão um ataque e a consequente mudança de regime.
Já vimos essa novela em 2003, com a invasão do presidente George W. Bush ao Iraque tendo como argumento a falácia do arsenal proibido que nunca foi achado — e que, sejamos claros, não existia.
Pode-se dizer qualquer coisa sobre a decisão desta terça-feira, só não podemos nos dizer surpresos. Ao tomar esta decisão, Trump e sua realpolitik segue exatamente o projeto de governo para o qual foi eleito em 2016. No interior da América, apinham americanos que concordam com Trump. Para esses, o Irã deve ser riscado do mapa-múndi, o regime em Cuba precisa ser derrubado e o aquecimento global é uma fantasia dos cientistas.
Nas entrelinhas da decisão, está um gesto que agrada a Arábia Saudita (que vive sua guerra fria particular com o Irã) e Israel, aliado incondicional dos EUA, e marca posição contra a Rússia de Vladimir Putin, parceira dos aiatolás e do regime sírio. Sobretudo, estabelece-se um racha entre as maiores potências do Ocidente. França, Alemanha e Reino Unido deixaram claro que não apoiam a decisão americana. São vozes de ponderação importantes. Os EUA não estão sozinhos no mundo.