Por que Donald Trump senta à mesa de negociações com Kim Jong-un ao mesmo tempo que rompe o acordo nuclear com o Irã? A atitude de dois pesos e duas medidas dos Estados Unidos levou regime dos aiatolás a questionar a credibilidade do governo americano.
— Não sabemos com que tipo de pessoa o líder norte-coreano está negociando. Não está claro que ele (Trump) não vai cancelar o acordo antes de retornar para casa — disse o porta-voz do governo iraniano, Mohammad Bagher Nobakht.
Não há provas de que o Irã tenha desrespeitado o tratado acertado em 2015 com o governo dos Estados Unidos e nações europeias. Mas a questão não é essa. Trump usa o hard power com o país do Oriente Médio, enquanto alivia tensões no Extremo Oriente por outras razões. Veja algumas:
1) Kim só chegou à mesa de negociações com Trump, porque conseguiu, por suas próprias pernas, entrar no seleto clube nuclear. A ditadura norte-coreana parece ter dominado todo o ciclo atômico. O Irã estaria ainda a alguns anos de conquistar o arsenal. A estratégia americana é garantir que a nação do Oriente Médio não chegue nem perto de possuir capacidade de fabricação de uma arma nuclear.
Para os EUA, esse arsenal na mão dos aiatolás é muito mais ameaçador do que em poder da dinastia Kim, que sempre esteve contida pela China. Uma potência islâmica nuclear no Oriente Médio desestabilizaria o jogo de forças na região, onde só Israel tem esse tipo de armamento, embora não os declare.
2) A situação no Oriente Médio é muito mais complexa do que na península coreana, onde há um presidente aliado americano disposto a negociar com o rival. O moderado Moon Jae-in atua como colchão amortecedor entre os governos de Coreia do Norte e Estados Unidos. No Oriente Médio, estão presentes questões religiosas (não só entre judeus e muçulmanos, mas disputas internas dentro do Islã xiita e sunita), rixas históricas, luta por hegemonia e confrontos já em andamento, como na Síria e no Iêmen.
3) O fator Rússia complica a situação no Oriente Médio. No Extremo Oriente, a China, aliado da Coreia do Norte, tem interesse na desnuclearização da península, uma iniciativa que só atraia risco de guerra para sua área de influência. No Oriente Médio, o Kremlin, aliado do Irã, é adversário de peso dos interesses americanos. No Irã _ e na Síria _ a Rússia joga seu jogo mais pesado por influência em oposição à Arábia Saudita e Israel, parceiros americanos.
4) Trump quer ele próprio construir seu legado — fazendo a seu jeito e já pensando em reeleição. Para isso, escolheu a Península Coreana. O presidente se refere ao acerto com o Irã como o "pior acordo do mundo". Rejeitá-lo é uma forma de destruir o legado de Barack Obama, que costurou o chamado Plano de Ação Conjunto Abrangente (JCPOA), nome oficial do acordo, com Alemanha, Reino Unido e França. A suposta vitória na Coreia é só de Trump.
5) O terrorismo é outro fator fundamental das diferenças entre Irã e Coreia do Norte. O país dos aiatolás financia o Hezbollah no Líbano, uma organização considerada extremista por EUA, União Europeia e Israel. Pelo território iraniano também passam armas russas e dinheiro para o regime de Bashar al-Assad. Foi justamente a ajuda de Teerã que evitou a queda de Al-Assad até a intervenção direta da Rússia, no final de 2015. O hard power contra o Irã também é importante como garantia de proteção a Israel, principal aliado americano na região. A maior preocupação de Israel na guerra civil síria é a presença contínua da Guarda Revolucionária iraniana e de combatentes leais a Teerã na Síria. Um Irã nuclear colocaria em risco a existência de Israel.