Houve uma série de crimes pavorosos no Rio Grande do Sul nas últimas semanas, e talvez o mais chocante tenha sido o da mulher que matou uma grávida para roubar-lhe o feto. O caso das gêmeas de Igrejinha, possivelmente mortas pela própria mãe, também faz o peito encolher de tristeza.
Mas quero refletir sobre outros dois episódios — não por serem menos trágicos, e sim por carregarem uma brutalidade mais cotidiana, que assusta justamente por aparecer no fluxo ordinário da vida comum. Como a morte da comerciante Priscilla Diniz, em Novo Hamburgo, às seis e meia da manhã.
Ela chegava para abrir o restaurante da família quando foi surpreendida por uma moto. O assassino desceu do veículo e apontou um revólver para a cabeça de Priscilla, que ouviu o gatilho falhar uma, duas, três, cinco, oito vezes antes do disparo fatal. Em Porto Alegre, na semana anterior, o frentista Ingo Nunes foi baleado por um idiota que se recusou a aceitar a ordem de não entrar no banheiro feminino. Ingo morreu ali mesmo, deitado junto à bomba de gasolina.
Duas vidas que sumiram por uma violência tão brutal quanto aleatória, em circunstâncias comuns do dia a dia. Esse tipo de ataque não afeta somente as vítimas e suas famílias, mas o tecido social inteiro. É como se perdêssemos qualquer sensação de controle, é como se estivéssemos à mercê do acaso, é como se uma rotina pacífica pudesse a qualquer momento virar tragédia. O efeito disso, claro, é o medo.
Se as pessoas passam a caminhar resignadas, aceitando que a brutalidade é inevitável, aí a fé no próximo — aquela confiança mínima que sustenta o convívio em sociedade — vai se dissolvendo. A cada Priscilla ou Ingo que morre, mais as pessoas se retraem, mais elas assumem um estado de alerta, mais elas se movem na cidade como se atravessassem um campo minado. É um ciclo que nos endurece e nos condena à solidão.
É difícil, nem sei se consigo fazer isso, mas a verdadeira resistência à violência talvez esteja na escolha consciente de não sucumbir à descrença no ser humano. De não responder com mais violência. Pode parecer inocência ou idealismo, mas isso é coragem — a coragem de acreditar que a vida, mesmo em um mundo despedaçado, ainda vale a pena ser vivida.