Oitocentos e setenta mil reais, embora seja muito para mim e para você, é um valor quase ridículo quando se trata do orçamento de um Estado ou de grandes cidades. Quer dizer: se a histórica Feira do Livro de Porto Alegre realmente encolher por causa disso, não será por culpa dos novos critérios da Lei de Incentivo à Cultura (LIC). Será por muquiranagem. Pobreza de espírito, e não de recursos. Porque na Câmara de Vereadores, por exemplo, esse dinheiro está sobrando.
É verdade que o Conselho Estadual de Cultura fez uma barbeiragem ao deixar a Feira do Livro – assim como o Acampamento Farroupilha e outros eventos tradicionais – de fora da lista dos beneficiados pela LIC. A intenção dos conselheiros, vale frisar, não era ruim. O problema é que, na ânsia de priorizar projetos menos conhecidos, acabaram dificultando a realização do que há de mais relevante no cenário cultural e no imaginário simbólico do Rio Grande do Sul.
Foi um erro, mas está feito, paciência, não há como voltar atrás. E agora? Bem, agora os órgãos públicos precisam defender o interesse público. E nenhuma instituição tem mais legitimidade para isso do que a Câmara de Vereadores – é lá que se reúnem os 36 representantes que a população de Porto Alegre elegeu. Você sabia que a Câmara de Vereadores devolve, todo final de ano, cerca de R$ 40 milhões para os cofres do município? É uma verba que sempre sobra no orçamento da Casa. E, após a devolução, a prefeitura pode usar o dinheiro como bem entender.
Agora me diga: o que são R$ 870 mil perto de R$ 40 milhões? Muito pouco. Pois é desse pouco que a Feira do Livro precisa para funcionar normalmente, a pleno, sem cortes nem sacrifícios, a partir de outubro. Deixo aqui, portanto, uma sugestão à Mesa Diretora da Câmara: que aprove uma resolução determinando a devolução antecipada desse valor. Depois disso, basta a Secretaria Municipal de Cultura encaminhar o dinheiro para a Câmara Rio-Grandense do Livro, responsável pela organização da feira, e pronto – estará salvo o evento anual mais emblemático da cidade.
É uma solução que depende menos de dinheiro e mais de vontade. Como representante do povo, a Câmara de Vereadores pode mostrar que Porto Alegre valoriza, sim, o zelo pelo dinheiro público, mas também tem horror a muquiranagem.