Por Maximiliano Ledur
Presidente da Câmara Rio-grandense do Livro (CRL)
A Feira do Livro de Porto Alegre é realizada todos os anos, de forma ininterrupta, desde 1955, alcançando em 2023 a sua 69ª edição. Além de popularizar o acesso ao livro, tão necessário à população brasileira, a Feira oferece mais de mil eventos paralelos, que contemplam as mais variadas manifestações culturais produzidas no Estado, no país e no mundo, com acesso gratuito a interessados vindos de todos os lugares.
A Feira é o mais popular de todos os eventos realizados no Brasil em torno do livro. As bienais do livro de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, a Festa Literária de Paraty, entre outros grandes eventos que festejam a literatura, apesar de terem mérito, não colocam o livro no caminho da população, sem cobrar ingresso e sem qualquer forma de distinção, em que pobres e ricos podem participar de tudo sem qualquer custo. Na Praça da Alfândega, apenas o livro é cobrado, e com generosos descontos, que chegam a 90% do preço de capa.
Destaque-se que nos países desenvolvidos o acesso aos livros é facilitado por meio de bibliotecas públicas bem supridas, que adquirem na cadeia do livro atualizados acervos, cujas compras representam até 60% do mercado livreiro, enquanto no Brasil não alcançam os 10%. Levando-se em conta a carência cultural e o baixo poder aquisitivo da população, esses percentuais teriam que ser invertidos. Por tudo isso – e até outros motivos –, o livro no Brasil é considerado produto de elite a que poucos privilegiados têm acesso.
Mesmo com esse cenário, desde 1955 a Feira é realizada eliminando a distância que se criou entre os livros e a sociedade. A entidade que realiza o evento é a Câmara Rio-Grandense do Livro, que reúne as empresas do setor livreiro. Em sua absoluta maioria, são empresas de pequeno porte, que não têm condições financeiras para bancar sozinhas os custos do evento. Por isso, a Feira sempre contou com o apoio de diversos órgãos públicos e busca patrocínio de grandes empresas com os benefícios concedidos pelas leis de incentivo à cultura.
Perto de chegar à histórica 70ª edição, porém, tudo mudou. Pela primeira vez na história, a Feira teve a aprovação negada pelo Conselho Estadual da Cultura (CEC), que habilita os projetos a serem contemplados com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do RS (LIC-RS). Por inflexíveis critérios de desempate adotados pelo CEC, a Feira não poderá captar recursos a partir desse mecanismo. Um dos motivos, de acordo com os conselheiros, é o fato de o evento ocorrer em Porto Alegre. Não havendo recursos para todas as iniciativas culturais, a ideia seria descentralizar os investimentos.
Os conselheiros do CEC esqueceram-se, talvez, que, em que pese o evento ser realizado na capital gaúcha, os benefícios ultrapassam as divisas da cidade. Empresas livreiras e profissionais do setor de diversos municípios gaúchos encontram na Feira uma esperança para continuar os trabalhos; escritores de Porto Alegre e outras tantas cidades têm a oportunidade de apresentar suas obras em um espaço popular e democrático; manifestações culturais, artísticas, caravanas de estudantes de diferentes municípios, difusão do conhecimento, da leitura, da arte beneficiam não apenas Porto Alegre, mas o Rio Grande e o Brasil.
Nossa Feira é reconhecidamente um patrimônio dos gaúchos. Ela foi declarada Bem Cultural Imaterial pelo município de Porto Alegre, pelo Estado do Rio Grande do Sul e pela União, além de, em 2006, ter recebido a Medalha da Ordem do Mérito Cultural, concedida pela Presidência da República. Aparentemente, apenas quem não reconheceu os méritos da Feira foi o CEC, que resolveu punir o sucesso. Não o sucesso da Câmara Rio-grandense do Livro, ou de seus membros, mas do público, dos autores, das crianças, dos escritores, dos artistas. Com significativas reduções nos recursos, o CEC nos obriga a diminuir o tamanho e os benefícios que a Feira gera para a cultura do nosso Estado.
A decisão dos conselheiros não impedirá a realização da 69ª Feira do Livro de Porto Alegre, de nenhuma forma, mas ela será menor.