Martin Luther King dizia que o importante é subir o primeiro degrau, mesmo que seja impossível enxergar a escada inteira. Quer dizer: o melhor é começar logo – depois que a coisa anda, o resto vai se acertando.
Quem subiu o primeiro degrau foi José Fortunati, prefeito entre 2010 e 2016, quando deu início às obras do trecho 1 da Orla do Guaíba, entre o Gasômetro e a Rótula das Cuias. Fortunati enfrentou uma oposição implacável ao contratar sem licitação o escritório de Jaime Lerner, um dos maiores urbanistas do país, e ao solicitar um empréstimo internacional para bancar a reforma.
O prefeito seguinte, Nelson Marchezan, não era um entusiasta do projeto – preferia que tudo fosse pago pela iniciativa privada –, mas deu sequência às obras, inaugurou o local e iniciou a revitalização do trecho 3. Esse trecho, entre a foz do Arroio Dilúvio e o Parque Gigante, também havia sido planejado por Jaime Lerner na gestão Fortunati: deve ser inaugurado daqui a três meses, no governo Melo, com a maior pista de skate da América Latina.
Ao vencer o primeiro degrau, Porto Alegre ganhou autoestima. Tornou-se uma cidade mais vibrante e resgatou uma identidade perdida após décadas separada do Guaíba. E aí a prefeitura, os vereadores, os empresários, todos passaram a entender que, se apostassem na Orla, teriam a aprovação da sociedade. Algumas prioridades, então, começaram a mudar.
Antes, quando o governo municipal aprovava a construção de um shopping, ou outro grande empreendimento, as contrapartidas costumavam exigir melhorias no trânsito: duplicação de avenidas era o mais comum. Agora, não. Em troca de um bairro planejado com 18 torres no bairro Cristal, por exemplo, o empreendedor entrará com R$ 74 milhões em contrapartidas exclusivas para a Orla.
Uma pequena parte desse valor vai para o trecho entre a escolinha do Grêmio e o Iate Clube Guaíba – as obras devem começar ainda neste ano. O restante, se a negociação se confirmar, será investido na desapropriação da própria escolinha. Ou seja, o Grêmio seria indenizado e receberia da prefeitura um novo terreno, enquanto o espaço da antiga escolinha seria transformado em mais uma área pública.
Avançado, mesmo, está o Parque do Pontal. Haverá hotel e shopping no espaço do antigo Estaleiro Só, mas, em frente ao empreendimento, entre a beira do Guaíba e as edificações, um parque público de 29 mil metros quadrados receberá intensa atividade econômica – de restaurantes a espetáculos aquáticos. A inauguração é para 2022.
Aliás, em 2022 (no início do ano, é o que se espera) será lançada a licitação do cais do porto: desta vez, o edital deve prever o fim do muro da Mauá e, quem sabe, até uma alternativa para o trensurb. Não custa lembrar que o Cais Embarcadero já está aberto – e que o Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia, que não é na Orla, mas é perto, já foi concedido à iniciativa privada e deve ingressar neste ano no processo de revitalização.
Tudo começou no primeiro degrau. Imagine quando subirmos a escada inteira.