Depois que o coronavírus virou de ponta-cabeça a vida de todo mundo, há quase um ano, muito se falou sobre um "legado positivo" que a pandemia deixaria. Ouvimos que a humanidade se tornaria mais solidária, que o combate a um inimigo comum nos faria mais unidos, que o interesse coletivo finalmente prevaleceria.
Aí chega a vacina – que é o começo do fim dessa fase triste – e o que acontece? Cada um por si outra vez. Ninguém está nem aí para a coletividade. Após a coluna desta quarta-feira (10), que criticava o critério vago do governo federal para imunizar os trabalhadores da saúde, recebi mensagens de profissionais das mais diversas áreas exigindo vacina imediata.
Psicólogos, por exemplo. Argumentaram que são fundamentais para a saúde mental da população – como se em algum momento eu questionasse essa obviedade. Eles me escreveram porque, no texto de quarta-feira, falei que psicoterapeutas em teletrabalho, que atendem seus pacientes por chamadas de vídeo, não deveriam ser vacinados agora. E muitos já foram.
– O senhor ofende uma categoria inteira – afirmou uma psicóloga.
Não costumo trazer minha vida pessoal para cá, mas, neste caso, talvez seja oportuno: minha esposa é psicanalista. Agora mesmo, enquanto escrevo este texto, ela atende um paciente, por chamada de vídeo, em outra sala aqui de casa.
Por que ela deveria ser vacinada antes de qualquer cidadão com mais de 60 anos (que são os que mais morrem)? Por que ela deveria ser vacinada antes de atendentes de supermercado, frentistas de postos de gasolina ou cobradores de ônibus, que se relacionam pessoalmente com centenas de pessoas todo dia? Só porque é uma "profissional de saúde"? Ridículo, não faz sentido.
Aliás, veterinários me escreveram exigindo prioridade na vacinação, porque também são profissionais de saúde. Professores reivindicaram a vacina imediata, trabalhadores do comércio idem, e até uma comissária de bordo pediu imunização urgente para sua categoria.
É evidente que todos esses profissionais precisam ser vacinados, mas agora é impossível – o número de doses ainda é ínfimo. Ou priorizamos os grupos de risco, além de profissionais que atuam na linha de frente contra o vírus, ou vamos perpetuar o egoísmo vil de uma sociedade que, em vez de vacina, talvez merecesse a doença.