Vacinar profissionais de saúde antes de pessoas idosas, por si só, já é discutível. Quem corre mais risco de morrer, quem ocupa mais leitos de UTI, quem mais sobrecarrega o sistema de saúde, quem mais desenvolve quadros graves da doença, como se sabe, são os idosos: 81% dos mortos por coronavírus no Rio Grande do Sul tinham mais de 60 anos. Portanto, não seria nenhuma barbaridade, já que são poucas doses, centrar todo o esforço na imunização do público mais velho.
Mas, tudo bem, faz sentido priorizar também alguns profissionais de saúde. Desde que sejam alguns. Historicamente, em qualquer epidemia, os trabalhadores da linha de frente são vacinados porque, em primeiro lugar, têm contato direito com pacientes contaminados e, em segundo lugar, porque a sociedade precisa deles.
Quer dizer: se um médico de 35 anos for infectado pelo vírus, dificilmente ele acabará na UTI, mas, mesmo assim, precisará se afastar do trabalho por três semanas, o que é ruim para todo mundo. Razoável, portanto, que ele seja vacinado. O problema é que, em Porto Alegre, basta ser "profissional de saúde em atividade" para receber a vacina.
O critério, vago e duvidoso, foi confirmado à coluna nesta quarta-feira (10) pelo diretor da Vigilância em Saúde da prefeitura, Fernando Ritter. O próprio Ritter entende que o ideal, de fato, seria priorizar os profissionais que, se não estão na linha de frente, pelo menos mantêm contato com pacientes que possam estar infectados.
– Só que o critério do Ministério da Saúde é esse, e não temos como fazer uma triagem mais fechada. Seria ótimo se pudéssemos contar com o bom senso de profissionais que talvez não necessitem tanto da vacina agora – diz o diretor.
Um exemplo: psicoterapeutas que atendem em casa por chamadas de vídeo. Alguns foram vacinados no sábado, naquele mutirão organizado por conselhos profissionais. Por que eles deveriam ser imunizados antes de cobradores de ônibus, ou atendentes de supermercados, que se relacionam pessoalmente com centenas de pessoas todo dia? E, pior ainda, por que deveriam receber a vacina antes de pessoas com mais de 70 ou 80 anos, que são as que mais morrem?
O bom senso, a moralidade e a responsabilidade são pré-requisitos da gestão pública. Algumas coisas não precisam estar escritas.
ARITA BERGMANN
Secretária estadual da Saúde
Depois do mutirão de sábado, o Ministério Público recebeu denúncias contestando os critérios da vacinação, e o Tribunal de Contas pediu esclarecimentos à prefeitura. Em entrevista à coluna, a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, que coordena o plano estadual de vacinação, disse o seguinte:
– Quem não tem contato direto com pessoas não atende aos critérios para ser vacinado.
Mas essa informação, de que os profissionais em teletrabalho, por exemplo, não teriam direito à vacina neste momento, não deveria estar mais clara no próprio plano estadual de vacinação?
– O bom senso, a moralidade e a responsabilidade são pré-requisitos da gestão pública. Algumas coisas não precisam necessariamente estar escritas. São compromissos básicos de servir o interesse público em primeiro lugar – respondeu a secretária Arita.