Em manifestação de 12 páginas, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP) avalia que, conforme a legislação em vigor, a primeira etapa de vacinação contra a covid-19 pode contemplar, entre os grupos prioritários, os profissionais da saúde que não estão na linha de frente do combate à pandemia, incluindo os que atuam em consultórios. Imunizar esses profissionais, indica a nota técnica, não caracterizaria irregularidade ou fura-fila.
Ao apresentar suas conclusões iniciais, a análise não cita o caso específico de nenhuma cidade, adquirindo um teor de entendimento geral diante de múltiplas denúncias. O documento é assinado pela procuradora Angela Salton Rotunno, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos, da Saúde e da Proteção Social, organismo do MP que está à frente das demandas a respeito de eventuais irregularidades na gestão da pandemia.
Embora não citado diretamente, um dos episódios que ensejou a elaboração da nota foi o mutirão de imunização contra a covid-19 realizado no último sábado (6) por conselhos profissionais da área da saúde, em parceria com a prefeitura de Porto Alegre. Na ocasião, a administração da Capital disponibilizou 12 mil doses para profissionais da Medicina, da Odontologia, da Psicologia, da Fisioterapia, da Enfermagem e do Serviço Social, incluindo os que não atuam na linha de frente do enfrentamento à pandemia de coronavírus. Naquele dia, o total de imunizados foi de 6.281 homens e mulheres.
Alegando que pessoas que atendem em consultórios privados, distantes da linha de frente, poderiam estar passando à frente de idosos na vacinação, o Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Sindsepe-RS) ingressou com denúncia no MP, solicitando fiscalização da parceria entre a prefeitura e as entidades profissionais.
Na análise prévia do MP, os indicativos listados são de que as normas federais e estaduais em vigor permitem a vacinação de profissionais da saúde que não atuam na linha de frente. Eles estão inclusos pelas normativas nos grupos prioritários, entende o MP. Na nota, a procuradora citou como base para as suas conclusões iniciais o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, o Plano Estadual de Vacinação contra a Covid-19 e outras duas resoluções.
“No plano estadual, fica clara a inclusão dos profissionais da saúde que não estão na linha de frente do tratamento para a covid-19”, frisa trecho do parecer da procuradora.
Após a afirmativa, ela reproduz a alínea “b” do item que define os grupos prioritários de vacinação: “Profissionais da área da saúde que realizam atendimento a pacientes devido a outras questões de saúde que não covid-19 - profissionais peritos, ambulatórios de consultas eletivas (não respiratórias), ambulatórios ou unidades com consultas/atendimentos eletivas ou agendadas”.
Depois, a procuradora cita a “Recomendação sobre priorização de vacinas”, documento expedido pela Secretaria Estadual da Saúde, com estratificação de subgrupos para a vacinação na área da saúde. Os itens 8, 9 e 10 incluem entre os prioritários, ressalta a procuradora, os profissionais de “áreas não covid-19 de hospitais, ambulatórios e pronto-atendimentos não covid-19 e consultórios e laboratórios”.
Ainda é citada a resolução CIB 7/2021, da Secretaria Estadual da Saúde: “No item 12, não faz distinção entre os profissionais da saúde, inclusive os que atendem em consultório privado e demais estabelecimentos de assistência à saúde”, registra a procuradora.
Em manifestação sobre outra polêmica, ela anotou que a resolução 218/97, do Conselho Nacional de Saúde, reconhece os trabalhadores de educação física como profissionais de saúde.
“Pela análise conjunta dos Planos nacional e estadual de vacinação, resolução CIB e do CNS, bem como demais normativas correlatas, entende-se que a primeira fase de vacinação contempla todos os profissionais de saúde, não apenas os da linha de frente para atendimento da covid-19 e deve incluir profissionais que atendem em consultórios ou estabelecimentos privados como: psicólogos, médicos veterinários, profissionais de educação física, odontólogos, farmacêuticos, etc”, conclui a procuradora.
Ela ressaltou que trata-se de uma interpretação de momento, o que poderá mudar em caso de alteração nas diretrizes nacionais e estaduais para os planos de vacinação. Há discussões inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o ordenamento dos grupos prioritários de vacinação.
Diante de inúmeros questionamentos, a prefeitura de Porto Alegre suspendeu, na terça-feira (9), a continuidade da vacinação de profissionais da saúde, o que estava previsto para ocorrer a partir desta quarta-feira (10) no Centro de Saúde IAPI. O município justificou que fará um “intenso trabalho” com as entidades de classe para estabelecer novo cronograma de vacinação.
“O objetivo é executar a ação só quando houver plenas condições de transparência, para garantir vacinação com critérios claros de seleção, que eliminem qualquer possibilidade de favorecimentos, como os chamados fura-filas”, apontou a prefeitura, em comunicado.
No mutirão de sábado, a gestão municipal entregou as doses às entidades de classe, que ficaram responsáveis pela aplicação e conferência de documentação. Uma das críticas foi sobre casos de aposentados da área da saúde que teriam se vacinado por meio dos órgãos classistas.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) solicitou informações à prefeitura sobre como foi feito o estudo que liberou 12 mil doses para os conselhos profissionais e sobre os critérios de seleção, para averiguar se houve eventual fura-fila.