Um dos pesquisadores mais respeitados do país quando o assunto é futuro, Tiago Mattos, 40 anos, enxerga na crise do coronavírus uma rara oportunidade de evolução para a humanidade. Natural de Porto Alegre, o futurista já palestrou na ONU e hoje integra o corpo docente da Singularity University – projeto da Nasa e do Google focado em inovação no Vale do Silício.
Por que a humanidade pode sair melhor deste momento terrível?
Tenho ouvido muita gente comparando o atual momento com uma guerra. Entendo a analogia, mas, nas últimas gerações, quando uma guerra atingiu o mundo inteiro, sempre foi possível se posicionar de um lado ou de outro. Na Primeira, na Segunda, ou mesmo na Guerra Fria, você podia apoiar esse ou aquele lado. Agora, não: independentemente de ideologia ou visão de mundo, todos temos um inimigo único, um inimigo comum.
E por que isso é bom?
Porque há um potencial imenso para que a humanidade, pela primeira vez na História, opere de forma colaborativa entre todas as nações. Coisa que, há algumas décadas, seria inviável devido à falta de tecnologia. E veja a quantidade de pequenas ações solidárias que partem de pessoas comuns. Esse inimigo único, o coronavírus, parece acelerar algumas questões que já habitavam o inconsciente coletivo: a ideia de um mundo mais compartilhado e colaborativo, menos acúmulo de poder e mais empoderamento para todos, estruturas de trabalho menos hierarquizadas e mais distribuídas.
Nossa forma de pensar pode estar mudando?
Claro. Você tem mostrado, na sua coluna, iniciativas de solidariedade quase todo dia. Minha impressão é de que veremos tantos movimentos inspiradores, tantas pessoas pensando no outro – e não apenas em si – que, quando voltarmos à normalidade, é possível que a gente se pergunte: será que a minha atividade profissional, será que as metas da minha empresa, será que eu, na minha posição, estou fazendo algo relevante para o mundo?
Com o perdão do trocadilho, as pessoas se contagiam?
Exato. Existe um conceito, do economista Oswaldo Oliveira, que é a lógica da escassez. É quando pensam que nunca haverá recursos para todos. Quando se acredita nisso, logo vem o medo: “Vai faltar para mim”. E aí o pessoal passa a competir, passa a estocar esses recursos. O que acontece? A profecia se realiza: começa a faltar, de fato, álcool gel no supermercado, e isso gera mais medo e mais competição. Mas, se você segue a lógica da abundância, se você entende que existe, sim, álcool gel para todos, não precisa ter medo. E você ganha confiança.
E qual é o resultado?
Você ganha tanta confiança que bota os seus próprios recursos para circular no sistema – porque, se todo mundo fizer isso, nunca vai faltar para você. Aquele restaurante que a sua coluna mostrou (na segunda-feira 23), por exemplo: eles mal conseguem vender comida, mas decidiram distribuir viandas porque ainda têm algum recurso. Não tenho dúvida de que essas empresas, essas famílias, esses organismos que operam nessa lógica são muito mais saudáveis, inclusive emocionalmente. Os que querem acumular, e azar se faltar para os outros, esses vão sair desta crise muito mais desequilibrados.