Outra consequência do analfabetismo ideológico – lembra dele? – é o ódio à imprensa. Um fenômeno mundial. Como lembrou José Francisco Botelho em sua coluna na revista Veja, essa fobia ao jornalismo tornou-se um curioso ponto de convergência em que os extremos se encontram: da esquerda à direita, de um continente a outro, a mesma fúria é derramada sobre emissoras e jornais cuja única finalidade seria conspirar. O jornalista, canalha e desonesto, teria sempre segundas intenções no que escreve ou diz.
Não há dúvida de que nos falta autocrítica: verdade que o jornalismo falha, como falha toda empreitada humana, mas é especialmente preocupante que a imprensa fracasse de maneira tão rotunda na tentativa de mostrar o quanto ela é necessária. Cresce, na era digital, a ideia de um mundo livre de jornalistas – e se nós, jornalistas, não conseguimos sequer mostrar o quão desastroso seria esse cenário, fica provada não apenas nossa incapacidade para conspirar, mas também nossa atual dificuldade até para informar.
Porque essa é a função precípua da imprensa: informar. Informar o quê? A verdade, ué. Ao contrário do que dizem por aí, não existe isso de "cada um tem a sua verdade". A verdade é a verdade e acabou. Cada um pode ter sua opinião sobre a verdade, claro, mas a verdade em si, por definição, é indiscutível. Ela é justamente o que não pode ser posto em dúvida. Ela é o retrato inquestionável dos fatos.
Você pode debater pontos de vista, opiniões, interpretações, mas esse debate só fará sentido, só será lógico e producente, se ocorrer em cima da verdade. Se você distorce a verdade, o debate já nasce torto. E a imprensa existe, em primeiro lugar, para apurar, investigar e apresentar a verdade. Ela tem feito isso, sim, como sempre fez. Só que a verdade sobre o assunto deste texto é: um mundo sem jornalistas seria um desastre. E o jornalismo não consegue deixar isso claro.
Para o analfabeto ideológico, quem ameaça suas certezas deve ser varrido da face da Terra. Ainda que com ele seja varrida a verdade.
Quem defende o fim da imprensa, não há dúvida, tem horror à verdade. A fobia ao jornalismo é natural quando alguém só deseja ver, ouvir e ler o que possa confirmar suas próprias crenças. Quer dizer: não importa a verdade, o que importa é ter suas convicções reiteradas o tempo todo. Como escreveu José Francisco Botelho, trata-se de uma "ânsia por narrativas unívocas que expliquem o mundo de uma vez por todas, sem contradições, sem contraevidências".
Eis aí a mediocridade maior do analfabeto ideológico: ele não tem o menor interesse em botar à prova suas certezas. Porque digamos que elas estejam erradas – ou que, no mínimo, se mostrem questionáveis. A vida dele acaba. O coitado viveu para suas convicções, ele brigou com meio mundo em nome delas. Sem elas, a existência perde o sentido – e todos nós precisamos de um sentido para nossa existência.
Em resumo, para o analfabeto ideológico, quem ameaça suas certezas é um representante do Mal que deve ser varrido da face da Terra. Ainda que com ele seja varrida a verdade. Por isso a imprensa é tão odiada: não há arma mais violenta contra uma certeza do que a informação.