No angustiante The Push, reality show lançado há pouco pela Netflix, o britânico Derren Brown cria uma série de experimentos para mostrar como a manipulação e a influência de outras pessoas podem levar alguém a cometer barbaridades.
Gente que não faria mal a uma mosca se vê disseminando mentiras, tapeando multidões e obedecendo às ordens mais canalhas – ordens que, embora violem os princípios éticos de quem aceita cumpri-las, simplesmente continuam sendo cumpridas. O objetivo final de The Push é verificar se uma pessoa, quando submetida à influência negativa dos outros, poderia inclusive cometer um assassinato.
Abre parêntese.
Na semana que passou, o consultor de informática Carlos Augusto de Moraes Afonso admitiu ser dono do site Ceticismo Político, uma verdadeira fábrica de fake news. Foi ele que escreveu o texto de maior repercussão sobre a ligação da vereadora Marielle Franco, morta há 15 dias, com o Comando Vermelho e com o tráfico de drogas. Só que essa ligação, claro, jamais existiu: as informações eram todas inventadas. Mesmo assim, 360 mil pessoas compartilharam seu post.
Trezentas e sessenta mil.
Afonso, ao assumir a autoria do site, afirmou ter desenvolvido "um método para a guerra política" e, como se não bastasse, ainda deu uma debochada: "Sinto dizer aos meus oponentes: o método funciona que é uma beleza". Não dá para negar que ele tem razão.
Fecha parêntese.
Tanto em The Push quanto nas difamações a Marielle – daria para botar nesse bolo até a banalidade do mal, de Hannah Arendt –, o recado é sempre o mesmo: ser manipulado, influenciado ou conduzido a uma atitude intempestiva em situações que mereciam reflexão é fácil demais. Isso pode ocorrer por ingenuidade, às vezes por despreparo, mas também porque a verdade que o manipulador oferece (ainda que seja falsa) com frequência é conveniente.
Quer dizer: se você não gosta de Marielle, ou não gosta do partido dela, ou não gosta da forma como a imprensa retrata sua morte, certamente está mais disposto a aceitar – e menos disposto a checar – informações que confirmariam tudo isso. As fake news são as verdades que gostaríamos de ver.
Esses tempos, escrevi sobre um estudo de dois psicólogos da Universidade Cornell, de Nova York. Eles comprovaram o seguinte: quanto mais incompetentes ou ignorantes somos sobre determinado assunto, mais fácil é ter certezas sobre ele. Portanto, quanto menor é a nossa extensão, a nossa profundidade, o nosso conhecimento em relação às dezenas de variáveis que envolvem determinado tema, mais fácil é formar convicções sobre esse tema – e mais fácil é, veja que perigo, tomar uma decisão.
Quem busca entender as nuances de qualquer assunto se afasta das certezas. Torna-se mais humilde e mais disposto a duvidar até de si mesmo.
O estudo botou um grupo de voluntários a praticar experiências diversas – desde jogar xadrez e dirigir um carro até fazer cirurgias em cadáver de mentira. Em todos os casos, as pessoas incompetentes não reconheciam o tamanho da própria incompetência. Só passavam a entender o quanto eram ignorantes depois que começavam a treinar e a adquirir conhecimento sobre aquilo.
Ou seja, quem busca a instrução invariavelmente se afasta das certezas. Torna-se mais humilde e mais disposto a duvidar até de si mesmo. Em resumo, se você quiser ter certeza sobre qualquer assunto, não leia sobre ele, não ouça o outro lado, não tente entender as nuances, não pergunte a quem sabe. É muito fácil ter certezas – e a maneira mais simples é aceitando as verdades (ainda que falsas) que nos parecem convenientes.
Na disseminação de fake news ou no programa The Push, os manipulados são completamente ignorantes sobre o tema em questão. Estão sempre diante de situações que precisam de reflexão, de prudência, de um mínimo de preparo antes de decidir, mas ou não têm tempo para isso, ou não têm vontade de ponderar. O mais descomplicado, portanto, é seguir o que outra pessoa manda.
O problema é que, quando o manipulado se dá conta, já está prestes a assassinar alguém – como em The Push – ou a assassinar a reputação de quem até já morreu – como no caso Marielle.