Contardo Calligaris escreveu esses dias que, quanto mais incompetentes ou ignorantes somos sobre determinado assunto, mais certezas temos sobre ele. Não é uma suposição, é um fato. Quanto menor é a nossa extensão, a nossa profundidade, o nosso conhecimento em relação às dezenas de variáveis que envolvem determinado tema, mais fácil é formar convicções sobre esse tema.
Em 1999, dois psicólogos da Universidade Cornell comprovaram o fenômeno. Juntaram um grupo de voluntários e colocaram todos a praticar experiências diversas – desde jogar xadrez e dirigir um carro até fazer cirurgias em cadáver de mentira. Em todos os casos, as pessoas incompetentes não reconheciam o tamanho da própria incompetência. Só começavam a entender o quanto eram ignorantes depois que começavam a treinar e a adquirir conhecimento sobre aquilo.
Ou seja, quem busca a instrução invariavelmente se afasta das certezas. Torna-se mais humilde e mais disposto a duvidar de si mesmo. Portanto, se você quiser ter certeza sobre qualquer assunto, eis a fórmula: não leia sobre ele, não ouça o outro lado, não tente entender as nuances, não pergunte a quem sabe. É muito fácil ter certezas.
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Uma história maravilhosa sobre isso é a do economista Steven Levitt. Em 2003, ele recebeu a cobiçada Medalha Clark, concedida sempre ao economista com menos de 40 anos que mais contribui para a profissão. O que ele fez foi elaborar perguntas sobre temas que angustiavam a sociedade americana e, depois, oferecer respostas que frequentemente desafiavam a "sabedoria convencional".
Também é possível chamá-la de lugar-comum, mas a sabedoria convencional costuma associar a verdade à conveniência. Quer dizer, as pessoas tendem a aceitar como verdade visões confortáveis, descomplicadas, que convivam em harmonia com seus credos e valores. Elas buscam uma certeza agradável, porque é bom ter uma certeza, ainda mais quando é agradável. E poucos assuntos são tão propensos à sabedoria convencional quanto as causas da criminalidade – que Steven Levitt decidiu contestar.
Façamos um breve retorno aos anos 1990, em seguida voltaremos.
Naquela época, a escalada do crime nos Estados Unidos era aterradora. Todo gráfico que ilustrava o aumento de roubos e homicídios em qualquer cidade americana parecia uma montanha crescendo sem parar. A população vivia acossada, o estupro nunca fora tão comum, Nova York era um símbolo mundial de metrópole violenta, e as previsões de analistas eram as piores possíveis.
– Sei que tenho seis anos para reverter essa situação – disse o presidente Bill Clinton. – Ou nosso país vai mergulhar no caos, com meus sucessores apenas tentando manter vivos nas ruas os habitantes de nossas cidades.
Era feia a coisa.
Só que, repentinamente, os índices começaram a baixar. Em vez de continuarem subindo, como projetavam os especialistas, todos os crimes passaram a despencar em todas as cidades dos Estados Unidos. Incrível: em 2000, a taxa nacional de homicídios atingiria seu menor nível em 35 anos. Que diabos era aquilo?
Logo vieram os analistas e, com eles, a sabedoria convencional. O acelerado crescimento econômico, as leis de controle sobre as armas, a política de tolerância zero em Nova York, tudo isso foi apontado como razão para a inesperada queda da violência americana.
Mas o economista Steven Levitt não se convencia. Algo não fechava, era impossível que interpretações tão óbvias explicassem uma reviravolta tão ilógica. Após anos de estudos e cruzamento de dados, Levitt concluiu que a maior causa para o recuo do crime foi uma mudança na legislação ocorrida duas décadas antes.
Em 1973, o aborto havia sido legalizado nos Estados Unidos. Como as mulheres que se utilizaram da lei eram, na imensa maioria, solteiras, adolescentes e pobres – e para elas o aborto ilegal, anos antes, seria muito caro ou inacessível –, mais de 1 milhão de crianças que nasceriam em um ambiente familiar apontado como adverso deixaram de nascer.
E, se o ambiente familiar adverso é uma comprovada porta de entrada para o banditismo, seria natural, segundo Levitt, que duas décadas depois – quando essas crianças não nascidas atingiriam a idade do crime – a violência começasse a cair.
Steven Levitt foi execrado pela direita, por ter atribuído ao aborto uma conquista da sociedade. E foi execrado pela esquerda, por ter associado criminalidade a pobreza. Só que ele nunca havia expressado julgamentos morais ou sua visão particular sobre a legalização do aborto. Apenas analisou dados e chegou a uma conclusão. Mas as pessoas, em geral, preferiram ficar com suas certezas – as certezas que lhes convinham.
Voltando à nossa época, tão marcada por divisões e antagonismos, não custa lembrar que a certeza é proporcional à incompetência. E que só o saber produz a dúvida – maior companheira de Steven Levitt em seu estudo. Não é à toa que a ignorância atua como mãe do extremismo, seja no campo moral, político ou religioso. Em resumo, só o idiota pensa que é sábio. O sábio mesmo é quem sabe o quanto é idiota.