Desde a morte de Marielle Franco, na quarta-feira passada (14), no Rio de Janeiro, informações falsas circulam nas redes sociais. Distribuídas principalmente por meio de grupos de WhatsApp, os conteúdos afirmam que a vereadora do PSOL teria relações com o crime organizado e até mesmo teria sido casada com um traficante. O ápice ocorreu após postagens da desembargadora do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Marilia Castro Neves e do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF). Ambos excluíram os textos posteriormente. O PSOL e um grupo de advogados voluntários monitoram mensagens falsas e vão recorrer à Justiça contra os autores.
O comentário de Marilia foi o que alcançou maior repercussão – uma reportagem da revista Veja com o título “Desembargadora diz que Marielle ‘estava engajada com bandidos’” foi compartilhada por milhares de usuários de redes sociais. A desembargadora respondeu a uma postagem do advogado Paulo Nader, que chamou a parlamentar de “lutadora dos direitos humanos”. Em sua resposta, Marilia criticou a “politização” da execução e acusou Marielle de estar “engajada com bandidos” e de ter sido “eleita pelo Comando Vermelho”. Questionada pela colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, sobre as afirmações que havia feito, disse que se baseou em relatos que correm pela internet. Afirmou não conhecer Marielle e que as informações postadas tinham como origem o “que leu no texto de uma amiga”.
Agora, Marilia deve ser alvo de representação oficial no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de ação criminal por calúnia e difamação por parte do PSOL. “De forma absolutamente irresponsável, a desembargadora entrou na ‘narrativa’ que vem sido feita nas redes sociais para desconstruir a imagem de Marielle, do PSOL e da luta pelos direitos humanos”, afirmou o partido em nota.
Outro alvo jurídico do PSOL deve ser Fraga. O deputado integrante da bancada da bala fez uma postagem no Twitter com acusações à vereadora. No texto, afirma que ela era “ex-esposa de Marcinho VP (traficante no Rio)”, “defensora de facção rival e eleita pelo Comando Vermelho”. O deputado apagou o texto e não comentou as informações que divulgou – todas desmentidas por amigos, colegas e dados obtidos por veículos de comunicação.
Um grupo de ativistas organizou-se para identificar posts falsos e analisar eventuais medidas judiciais. O e-mail contato@ejsadvogadas.com.br, divulgado para que sejam enviadas publicações com ofensas e calúnias, recebeu, até ontem, mais de 2 mil comunicações.
Irmã de Marielle, Anielle Silva publicou no sábado um texto dizendo que tomará providências contra falsas acusações que a vereadora vem sofrendo. Em uma rede social, declarou que não vai se calar e continuará defendendo a história da irmã – a postagem não estava mais disponível no domingo (18). Deputado estadual pelo PSOL, Marcelo Freixo classificou como “perversidade” a divulgação de notícias falsas sobre Marielle e disse esperar punição à desembargadora do TJ.
– Isso é um duplo homicídio. Estão matando a Marielle pela segunda vez – disse no domingo (18) antes de ato em homenagem à vereadora no Complexo da Maré.
Fatos esclarecidos
O boato
Marielle foi eleita pelo Comando Vermelho e traiu compromissos com a facção criminosa
O desmentido
O Complexo da Maré, onde Marielle se criou, é dominado por duas facções criminosas rivais: o Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando Puro. Há também regiões dominadas por milícia, mas são minoritárias. Segundo o site Aos Fatos, a vereadora atuava sobretudo na Baixa do Sapateiro, no Morro do Timbau e no Conjunto Esperança, onde passou sua infância, juventude e vida adulta, áreas sob controle do Terceiro Comando Puro, ou seja, rival do CV. Além disso, dos 46,5 mil votos que elegeram Marielle, somente 1,6 mil foram de eleitores da Maré e arredores, segundo o jornal Extra.
O boato
A vereadora era casada com Marcinho VP e foi mãe aos 16 anos
O desmentido
Há dois traficantes famosos chamados Marcinho VP e o boato não especifica com qual deles Marielle seria casada. Segundo o site Boatos.org, Márcio Amaro de Oliveira, o Marcinho VP retratado no livro Abusado, de Caco Barcellos, morreu em 2003 e, nos anos anteriores, esteve preso ou escondido longe do Rio. Se o boato estiver se referindo a Márcio dos Santos Nepomuceno, a dificuldade de ocorrer um casamento é ainda maior. Ele está preso desde 1997. Conforme documentos apresentados à Justiça Eleitoral, Marielle é solteira – vivia com a mulher e a filha, nascida quando tinha 19 anos.
O boato
Marielle não defendia policiais
Diversas postagens em redes sociais a partir da morte de Marielle, na quarta-feira, fazem críticas a movimentos de direitos humanos – ocorreria apenas a defesa de criminosos, e não de policiais vítimas do crime. Mensagens afirmam que a vereadora “nunca se interessou em defender a polícia”.
O desmentido
Reportagem do G1 mostrou que Marielle ajudou na apuração da morte do policial civil Eduardo Oliveira em 2012. À época, era assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia do Rio, lotada no gabinete do deputado Marcelo Freixo (PSOL).
– Ela fez muito por muita gente. Sou de família de policial. Fico muito triste com o que escrevem, não era nem para levar a sério – disse a mãe do policial, Rose Vieira, ao G1.