Se tem uma coisa ridícula no atual momento do país, é esse servilismo, essa submissão absoluta, essa postura de capacho, serviçal, pelego, lambe-botas que tomou um expressivo contingente de brasileiros.
É saudável ter um mestre, claro, eu mesmo tenho vários: são eles que me fazem refletir, aprender, amadurecer, reconsiderar, mas nenhum deles tem o poder de me anular. O que se tem visto, nesse fenômeno que atinge dos mais ignorantes aos mais letrados intelectuais, é uma cegueira obediente que glorifica um sacerdote e abdica de qualquer senso crítico.
São pessoas entrando em greve de personalidade. Mergulhando em uma adulação ideológica em que o simples ato de pensar diferente do grande líder, ou seja, pensar por conta própria, é profanação. Aliás, vale sempre lembrar: pensar por conta própria é a mesma coisa que só pensar. Porque pensar segundo padrões já estabelecidos – seja por convicções políticas, religiosas, morais ou culturais – não é pensar, é reproduzir pensamentos prontos.
Pois essa turma terceiriza o pensamento. É incapaz de colher as opiniões de seus mestres e, a partir delas, construir suas conclusões. Seus mestres nunca são um meio, um instrumento, um recurso a serviço do melhor caminho; eles são a personificação desse caminho, são a mais pura expressão da Verdade e da Certeza, portanto obedecer-lhes é uma honra, servir a eles é um orgulho, enaltecê-los é um tributo ao bem-estar da humanidade.
Um bom exemplo é o caso de Stalin. Quando ele discursava, funcionários do Estado levavam à plateia dezenas de baldes com água. Porque as pessoas ficavam com as mãos ardendo de tanto aplaudir, então precisavam molhá-las para continuar batendo palmas. E ai de quem parasse de bater palmas. Quem parasse primeiro era capturado pela polícia secreta, porque, na lógica stalinista, alguma coisa aquele traidor devia estar tramando.
Continua tudo igual. Você ainda precisa bater palmas para um Stalin qualquer e, caso decida parar e pensar, será um traidor que merece severas sanções. Será visto como um débil mental ou um desonesto pelas mentes servis, bajuladoras e, acima de tudo, inteiramente manipuladas – são como fantoches que só escutam e reproduzem o que diz seu ventríloquo.
Não há problema algum em admirar alguém, em seguir um líder, em festejar suas ideias. O problema é anular-se. É abrir mão de questionar, é parar de pensar, é ter um ataque histérico quando alguém expressa uma dúvida. Em um ensaio recente na Gazeta do Povo – que inclusive me inspirou a escrever este texto –, o filósofo Pedro Henrique Alves fez um bom resumo: "Apesar das grandes virtudes que possam existir em determinados pensadores e homens públicos, há sempre um filete de corrupção tipicamente humana que perpassa a todos, fazendo com que eles não sejam infalíveis".
E considerá-los infalíveis, mais do que ingenuidade, com o perdão da indelicadeza, é definitivamente ridículo.