O Brasil não tem jeito. É um bordão antigo, mas só neste mês ouvi essa frase três vezes – de pessoas diferentes, claro. Uma delas, minha amiga de muitos anos, já decidiu o que fazer.
– Vou-me embora assim que der – ela bateu na mesa.
E saiu despejando palavrões para descrever as corrompidas estruturas morais, culturais, políticas, sociais, emocionais, econômicas, jurídicas, religiosas e hereditárias do país. Não me surpreendeu: brasileiros odeiam o Brasil. Em especial a classe média, que já conhece o Primeiro Mundo e tem razões de sobra para se queixar.
Mas não é verdade que o Brasil nunca vai dar certo.
Aliás, sinto informar, mas o Brasil já deu certo.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, já classificou nosso país como "um dos grandes sucessos do século 20". Talvez pouca gente tenha concordado, mas ele estava rigorosamente certo.
Porque o Brasil só começou de fato em 1808, com a chegada da família real. Antes, era proibido abrir estradas, os portos eram fechados, não havia manufaturas, não havia escolas, não havia moeda. Noventa e oito por cento da população era analfabeta e um terço era de escravos. Para piorar, herdávamos a tradição lusitana do último país europeu a acabar com a Inquisição, o tráfico negreiro e o absolutismo.
Apesar de tudo isso, sabe o que aconteceu? Em 200 anos, viramos uma das 10 maiores economias do mundo. Estamos entre as principais democracias do planeta e retiramos dezenas de milhões de pessoas da miséria. Em uma única geração, nas últimas três décadas, demolimos o nosso histórico flerte com ditaduras, a inflação foi aplacada, a estabilidade monetária virou realidade e houve uma incontestável inclusão social.
– Mas só aqui tem tanta corrupção – ouvi de outro amigo na semana passada.
Será? Se até no Vaticano, onde os santos são escolhidos, é preciso um papa cair para a roubalheira recuar; se até na Suíça, federação tão aclamada, a economia se alimenta do dinheiro mais sujo do planeta; se até na Itália, onde o Ocidente tomou forma, floresceram o fascismo e a Camorra; por que o Brasil seria a sociedade mais podre do mundo?
Temos 30 anos de democracia, o que representa apenas 30 anos de valores democráticos se infiltrando na população. Os Estados Unidos têm 250
Não dá para esquecer que alguns dos políticos e empresários mais influentes da República estão na cadeia enquanto você lê este texto. Isso era impensável há poucos anos. Conquistamos um inédito – e ainda claudicante, claro, porque é uma quebra de paradigma – sistema de combate à impunidade e, em breve, não haverá mais espaço para corjas de bandidos atuarem no poder.
A educação está horrível? Em relação à qualidade, não poderia estar pior, mas pelo menos já temos uma escola pública em cada grotão do país, e o Ensino Superior recebe cada vez mais gente antes impossibilitada de sonhar com ele. A segurança em colapso, os presídios desumanos, a ineficiência de um Estado grande demais, a insuportável carga tributária, o sistema político que facilita os piores conluios, tudo isso precisa de respostas, e nunca estivemos tão aptos para exigi-las.
Aos poucos, desde que continuemos exigindo, o Brasil deve alcançar o que lhe falta. Temos 30 anos de democracia – o que representa apenas 30 anos de valores democráticos se infiltrando na população. Os Estados Unidos, por exemplo, têm 250. Não dá para comparar.
O Brasil vai longe. Já foi, na verdade. Não é um país perfeito, nem perto disso, mas dizer que ele "não tem jeito", por favor, é muita má vontade.