Gostei da expressão do título – li na coluna do João Cezar de Castro Rocha, na revista Veja. Hoje se fala muito em analfabetismo funcional, que é a incapacidade de interpretar inclusive textos simples. Castro Rocha propõe o conceito de analfabetismo ideológico: não se trata de burrice ou inépcia, trata-se da impossibilidade de ler qualquer coisa que não seja espelho das próprias convicções.
É uma praga bem democrática: atinge da esquerda à direita, do motorista ao deputado, do pobre ao milionário, do jornalista ao ministro. Decidi listar algumas características para identificar esse tipo de medíocre:
1) Já que tudo o que ele lê serve apenas para reiterar suas próprias crenças, ninguém tem mais certezas do que o analfabeto ideológico. Claro: quanto mais ignorantes somos sobre determinado assunto, mais convicções temos sobre ele. Uma série de estudos já confirmou essa premissa – o mais célebre é de 1999, da Universidade Cornell. Quanto menor é a nossa extensão, a nossa profundidade, o nosso conhecimento em relação às dezenas de variáveis que envolvem determinado tema, mais certezas (e menos dúvidas) temos sobre esse tema.
2) E o analfabeto ideológico não tem o menor interesse em botar à prova suas convicções. Porque digamos que elas estejam erradas – ou que, no mínimo, se mostrem questionáveis. A vida dele acaba. O coitado viveu para suas convicções, ele brigou com meio mundo em nome delas. Sem elas, a existência perde o sentido – e todos nós precisamos de um sentido para a nossa existência: pode ser trabalho, amor, dinheiro, religião, um time de futebol, uma ideologia. Seria insuportável, para o analfabeto ideológico, o baque de ver suas certezas no ralo.
3) Quem pensa diferente do analfabeto ideológico é, para ele, um representante do Mal que precisa ser varrido da face da Terra. Isso faz dele um autoritário, embora um autoritário raramente se considere um autoritário – em geral, ele se considera um redentor da espécie humana. O autoritário quer o bem de todos, inclusive o bem de quem ele persegue, e essa é sempre a justificativa para exterminar o inimigo.
4) Aliás, o analfabeto ideológico é um obcecado pelo inimigo. Sua vida gira muito mais em torno de odiar um oponente do que de propor qualquer coisa minimamente produtiva para o futuro do país. Ou seja: ele é um especialista em apontar culpados – o que é muito fácil –, mas um incompetente para apontar soluções, o que é mais difícil. Na verdade, ele acredita que a única solução para o país, mesmo, é o inimigo se escafeder.
Embora pareça muito brabo, o analfabeto ideológico é bajulador, lambe-botas, capacho e submisso ao seu grande líder.
5) Embora pareça muito brabo, o analfabeto ideológico é bajulador, lambe-botas, capacho e submisso ao seu grande líder – ele sempre tem um líder. Não importa o que esse semideus apronte, não importa as barbaridades que diga, a cegueira obediente do analfabeto ideológico é inabalável. O analfabeto ideológico abre mão de qualquer senso crítico: ele se anula em nome do líder – e tudo o que atentar contra a perfeição desse líder será sempre uma armação do tal inimigo que precisa ser destruído.
6) Portanto, o analfabeto ideológico jamais pensa por conta própria. Ele terceiriza o pensamento, porque é incapaz de colher a opinião de quem admira e, a partir dela, construir suas conclusões. Em resumo, ele abdica de pensar. Porque pensar por conta própria é a mesma coisa que só pensar. E pensar segundo padrões já estabelecidos – seja por convicções políticas, religiosas, morais ou culturais – não é pensar, é reproduzir pensamentos prontos. É só isso o que o analfabeto ideológico faz.
7) Por fim, sabe-se lá por que, o analfabeto ideológico vai dizer que esta coluna é de esquerda ou de direita, dependendo do campo político em que ele está. Embora viva falando nelas, o infeliz mal sabe o que são esquerda e direita – e, talvez por isso, sua estratégia nunca seja debater o assunto, mas sempre xingar quem busca desmascará-lo.