Sou tão fã de filme de terror, que tatuei um fantasma no braço. Minha tatuagem mais instigante, na verdade, é uma furadeira no outro braço, mas sobre ela eu falo outro dia, ainda que eu saiba que alguém, agora, já deva estar perguntando que tipo de idiota entalha uma furadeira na própria carne. Faz parte.
A questão é que o meu fantasma – alheio à virilidade que talvez o leitor espere – não é um demônio com punhal espetado na têmpora nem um monstrengo derretido por ácido: é daqueles que usam lençol, têm cara de bobo e não metem medo nem na minha mãe. Por quê? Porque são assim os fantasmas que eu quero: ainda que seja impossível se livrar deles, não é impossível que me assustem menos.
O bom filme de terror explora justamente essa dubiedade; ele se põe na fronteira entre o sobrenatural e o psicológico. Não é à toa que as casas mal-assombradas estão sempre caindo aos pedaços. Invocação do Mal 2, por exemplo: eis aí uma família emocionalmente arrasada – o pai largou a mulher e os quatro filhos, que sobrevivem sem um tostão. E a casa é uma manifestação física desse abandono: é tinta descascando, cano vazando, porão alagando, móveis se desmanchando.
Em um ambiente tão vulnerável, onde as paredes parecem vivas de tanto mofo, não surpreende que invasores piores do que fungos e limo também consigam entrar. Aí surgem os demônios. Claro: há sempre demônios à espreita quando a vida sucumbe à desordem. Os depressivos, por exemplo, costumam abandonar os cuidados com a própria casa porque, na prática, abandonaram a si mesmos.
Quer dizer: para um fã de terror (ou pelo menos para mim), acreditar ou não em alma penada importa pouco. Porque são os fantasmas, digamos, metafóricos – que habitam o nosso íntimo e se libertam com as nossas fraquezas – a fonte de horror mais abundante. De Psicose a O Sexto Sentido, o bom cineasta sabe disso: ele mostra que o mal pode vir de dentro, não de fora, e ir se intrometendo aos poucos na normalidade até destruí-la.
A Maldição da Residência Hill, melhor série da Netflix do ano passado, faz isso impecavelmente. Uma das personagens é assombrada por um horripilante fantasma que, na verdade, é precisamente ela mesma – e, de fato, nada é mais assustador para ela, ao longo da série, do que lidar com a própria complexidade.
Cada um dos irmãos, atormentados ou pelas drogas, ou pelo medo de amar, ou por negar a verdade, ou pela relação com o pai, vive perseguido por aparições monstruosas que, no fim das contas, são expressões do que eles precisam resolver internamente. É sempre assim, na vida ou no cinema: os demônios nunca vão embora, mas, se o objetivo for enfrentá-los em vez de fugir, a tendência é que eles se tornem menos apavorantes.
Por isso o meu fantasminha com cara de bobo. Ele vai seguir ali, quietinho e inofensivo, desde que eu consiga manter fechadas as portas que podem liberar sua fúria.