Dá um cansaço, sabe? Não existe argumento que faça as pessoas refletirem. Em que momento mergulhamos nesse servilismo patético? Eu sei, não é novidade, mas ainda me surpreende a postura de capacho que tanta gente incorporou.
É saudável ter um mestre, claro, eu mesmo tenho vários: são eles que me ajudam a interpretar, questionar, compreender, ponderar, mas nenhum deles tem o poder de me anular. O que vemos hoje, em um fenômeno que atinge dos mais ignorantes aos mais letrados, é uma cegueira obediente que glorifica um sacerdote e abre mão de qualquer senso crítico.
O simples ato de pensar diferente do grande líder, ou seja, pensar por conta própria, já faz de você um inimigo. Aliás, vale lembrar que pensar por conta própria é a mesma coisa que só pensar. Porque pensar segundo padrões já estabelecidos — seja por convicções políticas, religiosas, morais ou culturais — não é pensar, é reproduzir pensamentos prontos.
E essa claque só faz isso. São incapazes de colher a opinião de seus mestres e, a partir delas, construir suas conclusões. Seus mestres nunca são um meio, um instrumento, um recurso a serviço do melhor caminho; eles são a personificação desse caminho, são a mais pura expressão da Verdade e da Certeza, portanto obedecer-lhes é uma honra, servir a eles é um orgulho, enaltecê-los é um tributo ao bem-estar da humanidade.
Quer dizer: um cidadão assim não pode, de jeito nenhum, reconhecer que seu líder errou. Porque, se reconhecer, a vida dele acaba. Ele viveu para exaltar esse líder, brigou com meio mundo para defendê-lo. Se parar de idealizar esse herói, a existência perde o sentido — e todos nós precisamos de um sentido para a nossa existência.
Isso explica o ódio à imprensa, inclusive. Afinal, se o mestre nunca erra, qualquer informação que atentar contra a perfeição do semideus será sempre conspiratória. Não há espaço para a dúvida, para a análise honesta dos fatos, para a percepção de que todos, sem exceção, somos falíveis.
E, antes de concordar com entusiasmo, pensando nas hordas cegas que idolatram o líder que você despreza, responda-me sinceramente: no fundo, você não faz igual? Ao condenar o servilismo alheio, não estaria você venerando seu próprio mestre, como se fosse ele o salvador? É fácil enxergar o capacho na casa dos outros. Difícil é perceber quando estamos ajoelhados, nós mesmos, diante do altar.