O Antonio Prata, colunista da Folha, escreveu esses dias que, quando ele bota o link de suas crônicas no Facebook, muita gente comenta assim: "Põe na íntegra! A FOLHA NÃO ME DEIXA LER!!!!!!!".
Me identifiquei, claro. Apanho diariamente por isso.
Vocês não imaginam o que tem de gente braba exigindo meus textos de graça. Só que não dá – não posso escrever de graça e a RBS não pode divulgar de graça. Mas farei uma autocrítica. Se por um lado ainda falta às pessoas a consciência de que jornalismo custa caro – porque é preciso pagar salários, equipamentos, estrutura, telefone, câmeras, transporte, viagens etc. –, por outro lado a imprensa não conseguiu ainda, na era digital, convencer todo mundo de que somos fundamentais.
As pessoas só pagam pelo que acham fundamental. Sou de uma geração que virava noites baixando músicas e vídeos de graça, no Napster e no Kazaa, até que um dia isso acabou. Porque, de fato, as gravadoras, os produtores e os artistas mereciam ganhar dinheiro com o que faziam.
Levou um tempo até a gente entender que valia a pena pagar por isso: hoje, o Spotify e a Netflix, para mim, são serviços fundamentais. É um dinheiro bem empregado. A mesma coisa ocorrerá com as notícias – desde que a internet ganhou força, nos acostumamos a consumi-las de graça, mas um dia isso vai acabar.
Aliás, já está acabando, e fenômenos desagradáveis como o que ocorreu nos Estados Unidos, onde as fake news comprovadamente influenciaram o resultado da eleição – não por acaso, depois do pleito, jornais e revistas experimentaram um grande aumento nas assinaturas –, devem ajudar o pessoal a entender por que a imprensa é fundamental.
Mas, por enquanto, a quantidade de comentários na linha "SE NÃO POSSO LER, ENTÃO NÃO PUBLICA!!!!!!!" revela que no Brasil ninguém conseguiu mostrar o quanto o jornalismo é necessário para checar a verdade, para entrevistar candidatos, para investigar corruptos, para analisar os fatos e, principalmente, para mostrar o que ocorre – o que ocorre no Planalto, no Congresso, nas ruas, no trânsito, na economia, no Grêmio, no Inter, nos hospitais, nas escolas, na inflação, na Copa da Rússia e até no espaço sideral.
Falha nossa, não conseguimos. Somos mais ou menos como os bancos. Todo mundo xinga os bancos. Uma vez, em um evento da RBS chamado Ahead, o diretor de Marketing do Santander, Igor Puga, fez um desabafo muito engraçado. Vocês me perdoem, mas terei de reproduzir a íntegra dessa pérola. Atenção:
Nos chamam de manipuladores, de comunistas e de golpistas, mas experimente viver sem jornalismo
– A tarifa média para ter uma conta no banco é de R$ 14 por mês. Como é possível uma pessoa em sã consciência reclamar disso? Tudo bem, você pode guardar as economias da sua vida inteira embaixo do colchão, é verdade, mas tente pagar R$ 14 por mês para alguém ficar na frente do seu colchão, com um revólver, guardando seu dinheiro. Sem falar que o banco permite que o dinheiro renda, o que nunca vai acontecer embaixo do seu colchão. Com R$ 14, você não consegue ir ao cinema, não estaciona seu carro por uma hora, não faz um lanchinho no almoço, nada, mas você acha caro pagar isso para um banco. Você diz: "Esses caras são bandidos!". O mais incrível é que você, para não ser assaltado, prefere não andar com dinheiro na rua, aí o banco lhe oferece um plástico mágico chamado cartão, e com ele você paga o que quiser, onde quiser, quando quiser, e esse serviço está incluído naqueles R$ 14, mas você diz que o banco rouba você!!! Como assim, Jesus Cristo, como pode alguém dizer que o banco rouba você, meu Deus???
Com a imprensa é a mesma coisa. Nos chamam de manipuladores, de sem-vergonha, de gente desonesta que distorce entrevistas, nos chamam de comunistas e de golpistas, nos chamam de tudo, mas experimente viver sem jornalismo. Experimente se informar com essa porcariada toda que habita as redes sociais – só para citar um exemplo recente, quase 400 mil pessoas compartilharam a falsa notícia de que a vereadora Marielle Franco teria ligações com o tráfico de drogas. Quatrocentas mil pessoas, essas sim, manipuladas.
Sei que não é o seu caso. Se você está lendo este texto, ainda que discorde de mim, ainda que deteste minhas colunas, é provável que esteja pagando por ele. E, se está pagando, é provável que compreenda o quanto a imprensa é fundamental, como a Netflix e o Spotify também são. Talvez você prefira outro veículo, outro colunista, não tem problema. Mas pague por eles. Vai valer a pena.