Chega, né? Não sei se vocês concordam, mas acho que já deu.
Uma vereadora foi morta com quatro tiros na cabeça. O relator da Lava-Jato no Supremo mencionou ameaças a sua família. Dois ônibus da caravana de Lula foram baleados no Paraná. O comandante do Exército deu aquele recadinho no Twitter.
A virulência dos extremos, o debate interditado, a difusão de mentiras, a estupidez das lideranças – Lula insulta adversários, Bolsonaro aplaude os ataques, Alckmin relativiza tudo –, todo esse cenário exaspera uma agitação social que precisa ser brecada agora. Às vésperas de uma eleição presidencial, o Brasil de 2018 se assemelha à França do século 16: se você fosse protestante, não podia aceitar um rei católico e, se fosse católico, não podia aceitar um rei protestante.
Naquela época, uma sangrenta guerra civil inviabilizou o Estado francês – quando a sociedade atinge esse grau de divisão, quando ela é claramente repartida em duas, o primeiro reflexo é o princípio da autoridade se esfarelar. Uma das partes sempre dirá que a autoridade fala em nome da outra parte, e não em nome de todos. Isso já se manifesta por aqui desde 2015, com os panelaços quando Dilma abria a boca.
Não era uma questão de questionar, contestar ou até combater a autoridade. As pessoas simplesmente desconsideravam a existência da autoridade, não reconheciam qualquer conveniência em pelo menos escutar o que dizia a autoridade. Porque entendiam, claro, que ela falava em nome da outra parte, e não em nome de todos.
Em um país que enfrenta uma inflamada tensão política há cinco anos – houve as jornadas de junho, os protestos contra a Copa, as paralisações do setor público, a eleição de 2014, o processo de impeachment, os atos contra Dilma, os atos a favor de Dilma, a revolta dos caminhoneiros, o movimento Fora Temer, a eleição de 2016, a rebelião secundarista, as universidades ocupadas, as prisões do PT, as prisões do PMDB, os levantes contra Lula, os levantes pró-Lula, as manifestações por Marielle –, em meio a esse motim ininterrupto que já desemboca em tiros e violência, é improrrogável a construção de um pacto nacional pedindo uma trégua.
O melhor é os pré-candidatos entenderem logo que essa escalada de intransigência não interessa a nenhum deles
E ela precisa vir antes da eleição. E precisa atravessar a campanha eleitoral que começa em quatro meses. Todos os candidatos, de Ciro a Bolsonaro, de Boulos a Alckmin, de Marina a Meirelles, devem entender agora que essa marcha de insanidade não interessa a ninguém. Porque qualquer um deles, se for eleito depois de uma campanha novamente marcada pela incitação aos ódios, passará o mandato inteiro colhendo fúria e conflito – porque somente uma parte vai reconhecer sua autoridade.
Sugiro que cada candidato dedique 10% de seu programa eleitoral para dizer que o vencedor, não importa quem seja, será o presidente legítimo. Será o presidente que a maioria quis, e respeitar a sua vitória é respeitar a democracia. Sugiro que entidades da sociedade civil organizada – imediatamente, não há mais o que esperar – façam um apelo público para uma grande reunião. Uma reunião que envolva os três poderes, líderes de todos os partidos, deputados, senadores, movimentos sociais de esquerda e direita, uma reunião para repudiar o radicalismo, a violência e a baixaria eleitoral.
Sugiro que a imprensa leve adiante esse pacto nacional, veiculando artigos, editoriais e reportagens diariamente. Alguém precisa se mexer. Não sei se isso ocorrerá. Porque, se tivéssemos líderes capazes de entender que nenhum país avança nessa escalada de intransigência, talvez não tivéssemos chegado a esta situação.